William Shakespear

Hamlet: Drama em cinco Actos
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O REI

És sempre correio de boas novas.

POLONIO

Senhor! esteja vossa magestade certo que a minha alma põe a par a
dedicação ao meu rei e o respeito e amor ao meu Deus. A menos que a
minha sagacidade habitual me enganasse, descobri a verdadeira causa da
loucura do senhor Hamlet.

O REI

Estou ancioso por conhecel-a.

POLONIO

Primeiro os embaixadores, depois eu.

O REI

Recebe-os, e encarrego-te de os introduzir á nossa presença. (Polonio
sáe.) (Á rainha.) Annunciou-me, querida Gertrudes, que conhece a causa
da doença de seu filho.

A RAINHA

Receio bem que a morte de seu pae e o nosso precipitado consorcio sejam
as causas unicas.

O REI

Sabel-o-hemos em breve.

Entram POLONIO, VOLTIMANDO e CORNELIO

O REI

Bemvindos sejam, amigos. Falla tu, Voltimando; que novas trazes de nosso
irmão de Noruega?

VOLTIMANDO

Envia-vos seus cumprimentos e sauda-vos cordealmente. Mal nos ouviu,
ordenou ao sobrinho que pozesse fim aos seus preparativos guerreiros.
Julgava-os dirigidos contra a Polonia; mas convencido por um detido
exame que eram contra vossa magestade, e indignado por Fortimbraz se
prevalecer do estado precario, a que a idade e a doença o tinham
reduzido, ordenou-lhe que comparecesse na sua presença. Fortimbraz
obedeceu á ordem intimada, e depois de severamente reprehendido pelo rei
de Noruega, prestou nas mãos de seu tio o juramento de nada emprehender
contra vossas magestades. O idoso monarcha, para provar o seu jubilo,
concedeu-lhe uma pensão annual de tres mil escudos, e licença para
combater os polacos com as tropas alistadas. Ao mesmo tempo pede-vos
pelas presentes (entrega as cartas), que concedaes ás suas tropas livre
passagem pelo vosso territorio nas condições estipuladas n'este
escripto.

O REI

Este resultado enche-nos de satisfação; quanto ao pedido, lel-o-hemos, e
depois de maduramente examinado, responderemos. Agradecemos-lhes os seus
valiosos serviços. Descansem agora; juntos ceiaremos logo. (Voltimando e
Cornelio sáem.)

POLONIO

Felizmente está terminado este negocio. Senhor e senhora; discutir o que
constitue a auctoridade, e em que consiste a obediencia dos subditos,
porque a noite é noite, o dia é dia, e o tempo é tempo, seria perder sem
proveito a noite, o dia e o tempo; por isso, visto que a concisão é a
alma do espirito, emquanto que a prolixidade é só o corpo ou o involucro
exterior, serei breve: Vosso nobre filho está louco, digo louco, porque
haveria falta de rasão em querer definir o que constitue verdadeiramente
loucura. Passemos adiante...

A RAINHA

Menos estylo, Polonio.

POLONIO

Senhora, não faço estylo, juro-o. Seu filho está louco; é triste, mas é
verdade. É verdade que é uma lastima, mas é uma lastima que seja
verdade; é uma estulta antithese, mas tal qual é acceite-a; não emprego
arte. Está louco; resta-nos procurar a causa d'esse effeito, ou antes
defeito, porque forçosamente a deve ter. Siga bem o meu raciocinio:
Tenho uma filha, tanto a tenho, que me pertence. Minha filha, fiel ao
dever e á obediencia que me deve, note bem, entregou-me este escripto.
(Mostra um papel.) Reflicta e depois tire a conclusão. (Lê.) _Ao idolo
da minha alma, á celeste Ophelia, á belleza personificada..._ É uma
desgraçada e estulta expressão. _Conserva preciosamente estas linhas, no
teu seio alabastrino..._

A RAINHA

É de Hamlet a Ophelia.

POLONIO

Espere um momento, senhora, cito textualmente. (Lê)

  Duvida que do céu a abobada azulada
  Tenha espheras de luz de um magico esplendor,
  Duvida seja o sol o facho da alvorada,
  Duvida da verdade em tua alma gravada,
  Mas não duvides nunca, oh! nunca, d'este amor.

_Querida Ophelia, não sou poeta, não sei modular suspiros com arte, mas
podes acreditar que te amo, mais que tudo n'este mundo. Adeus, a ti,
para sempre minha vida, a ti emquanto esta machina mortal me
pertencer._==Hamlet.==Eis-ahi o que, por obediencia, minha filha me
entregou. Já antes ella me tinha confiado as tentativas de Hamlet, á
proporção que renovava as suas instancias amorosas.

O REI

Como pôde ella acolher este amor?

POLONIO

Em que conta me tem, senhor?

O REI

Na de um homem leal e honrado.

POLONIO

Farei por merecer sempre esse conceito a vossa magestade; mas que
pensaria o rei de mim, se vendo despontar esse amor, e já o tinha
adivinhado antes da confissão de minha filha, que pensariam o rei e a
rainha, se me calasse, e me tornasse mudo confidente do seu amor; se,
testemunha da sua paixão, tivesse imposto silencio ao meu coração, ou se
a considerasse com indifferença? má idéa por certo fariam de mim. Não
perdi um momento, disse a minha filha: _O senhor Hamlet é um principe
collocado fóra da tua esphera; isto não póde ser._--Ordenei-lhe então
que evitasse a sua convivencia, e que nunca mais recebesse nem mensagens
nem dadivas. Seguiu o meu conselho, e para abreviar a minha narração, o
principe, vendo-se assim repellido, caíu primeiro n'uma profunda
tristeza, em seguida repugnaram-lhe os alimentos, mais tarde teve
insomnias, depois abatimentos e fraqueza intellectual, finalmente, e
sempre gradualmente, chegou á demencia e ao delirio. Deplorâmol-o todos.

O REI

E pensas ser essa a causa?

A RAINHA

É muito provavel.

POLONIO

Quizera me dissessem, se aconteceu alguma vez affirmar eu alguma cousa
que não fosse certa.

O REI

Nunca que eu saiba.

POLONIO

Se não é verdade o que disse (mostrando a cabeça), que esta role a seus
pés. Basta-me a mais simples circumstancia para descobrir a verdade,
aindaque estivesse occulta nas entranhas da terra.

O REI

Por que modo nol-o poderás tu provar.

POLONIO

Vossa magestade não ignora que o sr. Hamlet algumas vezes passeia quatro
horas consecutivas n'esta galeria.

A RAINHA

É certo.

POLONIO

Quando ali estiver, enviar-lhe-hei minha filha, e nós, occultos por
detrás d'esta cortina, seremos testemunhas da entrevista. Se não a ama,
se não foi o amor a causa da sua loucura, deixe eu de pertencer aos
conselhos de vossa magestade, e faça de mim um quinteiro, um hortelão ou
um abegão.

O REI

Tentemos a experiencia.

HAMLET entra lendo

A RAINHA

A leitura é a unica distracção d'este infeliz.

POLONIO

Retirem-se ambos por piedade. Vou fallar-lhe. Confiem em mim. (O rei e a
rainha sáem) Como se sente o sr. Hamlet?

HAMLET

Bem, Deus louvado.

POLONIO

Conhece-me, principe?

HAMLET

Se conheço, és um vendilhão de peixe.

POLONIO

Engana-se, senhor.

HAMLET

N'esse caso, queria que ao menos fosses tão honrado.

POLONIO

Honrado?

HAMLET

Sim; pelo caminho em que vae o mundo, custa achar um homem honrado entre
dez mil.

POLONIO

É uma triste verdade.

HAMLET

Ora o sol gera vermes no animal putrefacto, e embora divindade, acaricia
o cadaver. Tens uma filha, não é verdade?

POLONIO

Sim, meu senhor.

HAMLET

Não a deixes caminhar ao sol, a concepção é um beneficio do céu, mas
como tua filha póde conceber, cuidado... meu caro.

POLONIO

Que quer dizer, principe? (á parte) minha filha é a sua constante
preoccupação, mas não me reconheceu logo, tomou-me por um vendilhão de
peixe. O seu cerebro está gravemente atacado; verdade é, que na minha
mocidade o amor algumas vezes me reduziu a um estado similhante a este.
Dirijâmos-lhe de novo a palavra. Que está lendo, senhor?

HAMLET

Palavras e mais palavras, só palavras.

POLONIO

De que se trata, senhor?

HAMLET

Quem, o que?

POLONIO

Pergunto o que contém o livro que está lendo.

HAMLET

Calumnias, nada mais. O satyrico auctor tem a impudencia de dizer que
nos velhos a barba é grisalha, a pelle rugosa, e que seus olhos
distillam ambar e gomma em fusão; que o espirito está caduco, as pernas
não os sustêem; tudo cousas que creio em minha consciencia, mas que se
não devem escrever. Quanto ao senhor, poderia ter a minha idade, se
podesse andar para trás como os caranguejos.

POLONIO (á parte)

Aindaque louco póde coordenar as idéas. (Alto.) Quer vir tomar ar, meu
senhor?

HAMLET

Que ar? o do tumulo?

POLONIO (á parte)

Que agudeza e que verdade na replica. Ás vezes as palavras dos loucos
têem mais conceito que as dos sãos. Vou deixal-o, e preparar a sua
entrevista com minha filha. Senhor, tomo a liberdade de me retirar.

HAMLET

Nada podia tomar, que eu désse com mais gosto; excepto a vida, excepto a
vida, excepto a vida.

POLONIO

Adeus, meu senhor.

HAMLET (á parte)

Que imbecil e fastidioso velho.

Entram ROSENCRANTZ e GUILDENSTERN

POLONIO

Procuram o sr. Hamlet, eil-o.

ROSENCRANTZ (a Hamlet)

Deus seja comvosco, senhor. (Polonio sáe)

GUILDENSTERN

Meu nobre senhor.

ROSENCRANTZ

Querido principe.

HAMLET

Meus bons e queridos amigos, como estão, tu Guildenstern e tu tambem
Rosencrantz, meus caros, como passam.

ROSENCRANTZ

Nem bem, nem mal.

GUILDENSTERN

Não nos peza demasiado a nossa felicidade, e não tocâmos o ponto
culminante da fortuna.

ROSENCRANTZ

Nem temos tambem rasões de queixa.

HAMLET

No meio está a virtude, é quando chovem as graças.

GUILDENSTERN

Vivemos familiarmente com ella.

HAMLET

Estão pois na intimidade da fortuna; não me admira, é uma cortezã. Que
novas ha?

ROSENCRANTZ

Nenhumas, senhor, a não ser que este mundo se tornou virtuoso.

HAMLET

Em tal caso o seu fim está mui proximo, mas o que dizes é falso.
Permittam-me uma pergunta que lhes diz respeito. Digam-me, que mal
fizeram á fortuna para ella os enviar para este carcere?

GUILDENSTERN

Carcere, senhor?

HAMLET

A Dinamarca tambem é carcere.

ROSENCRANTZ

Então é-o o mundo todo.

HAMLET

Sim, uma vasta prisão que em si encerra um grande numero de carceres,
dos quaes o peior é de certo a Dinamarca.

ROSENCRANTZ

Não somos da mesma opinião, principe.

HAMLET

Para os senhores não será uma prisão a Dinamarca, porque o bem ou o mal
não existem senão quando assim o julgâmos. Para mim é.

ROSENCRANTZ

A ambição faz parecer a Dinamarca uma prisão a vossa alteza, não cabe
n'ella a sua alma.

HAMLET

Acharia vasto reino uma casca de noz, se não fossem os meus terriveis
sonhos.

ROSENCRANTZ

São justamente esses sonhos que constituem a ambição, porque toda a
substancia do ambicioso é a sombra de um sonho.

HAMLET

Assim os mendigos são corpos, e os monarchas e os heroes ambiciosos não
são senão a sua sombra. Querem que vamos á côrte? porque sinceramente
não me sinto disposto a discutir.

AMBOS

Estamos ás suas ordens, principe.

HAMLET

Não o comprehendo eu assim, não o quero confundir com o resto dos meus
creados; porque, para lhes dizer a verdade, sou pessimamente servido.
Mas, com franqueza, amigos, o que os trouxe a Elsenor.

ROSENCRANTZ

Unicamente visitar a vossa alteza, nenhum outro motivo.

HAMLET

Estou tão pobre, tão alheio ao reconhecimento! mas recebam os meus
agradecimentos pelo preço que valem. Não os mandaram chamar? Foi por
motu proprio que vieram? É a affeição que aqui os trouxe? Vamos, sejam
francos, vamos, fallem.

ROSENCRANTZ

Que quer que digâmos, senhor?

HAMLET

Tudo quanto lhes aprouver, mas respondam á minha pergunta. Mandaram-os
chamar? Leio nos seus olhos uma confissão, que a sua candura não sabe
dissimular. Sei que o nosso bom rei e a nossa excellente rainha os
mandaram chamar.

ROSENCRANTZ

Com que fim, senhor?

HAMLET

Os senhores é que o poderão dizer; mas imploro-lhes, pelos direitos da
nossa amisade, pelas sympathias da nossa idade, pelos deveres que nos
impõe a nossa verdadeira affeição, emfim por todas as rasões as mais
convincentes que podesse allegar o mais habil orador, sejam francos e
sinceros commigo; mandaram-os chamar? _Sim_ ou _não_.

ROSENCRANTZ (a Guildenstern)

Que devemos responder?

HAMLET (á parte)

Não os perderei de vista. (Alto.) Se devéras me têem affeição,
expliquem-se com franqueza.

GUILDENSTERN

Pois bem, senhor, mandaram-nos chamar.

HAMLET

E eu dir-lhes-hei porque; d'est'arte a minha confissão precederá as suas
investigações, e o segredo promettido ao rei e á rainha, não será nem de
leve violado. Ultimamente, nem sei por que, perdi toda a minha alegria,
renunciei a toda a especie de exercicio; e sinto na alma uma tal
tristeza, que esta maravilhosa machina, a terra, me parece um esteril
promontorio, este esplendido docel, o céu, esse magnifico firmamento
suspenso sobre nossas cabeças, essa abobada sumptuosa, onde brilha o
oiro de innumeras estrellas, tudo me parece um infecto monturo de
vapores pestilentes. Que obra prima dos homens! que elevação na sua
intelligencia! quanto são infinitas as suas faculdades! como a sua fórma
é imponente e admiravel, como os seus actos approximam os homens dos
anjos, e a sua rasão os approxima de Deus! são a maravilha do mundo, os
reis da creação animada, e comtudo o que vale a meus olhos essa quinta
essencia do pó? Aborreço os homens e as mulheres, embora os seus
sorrisos incredulos, senhores, digam o contrario.

ROSENCRANTZ

Não tinhamos em nosso pensamento tal intenção.

HAMLET

Então porque se riram quando disse que aborrecia os homens?

ROSENCRANTZ

É que eu pensava que, se os homens lhe são odiosos, triste acolhimento
receberiam os actores que encontrámos no caminho e que vem offerecer a
vossa alteza os seus serviços.

HAMLET

Bemvindo será o que representa os reis; tributarei a sua magestade as
minhas homenagens; o cavalleiro andante manejará adaga e escudo, debalde
não suspirará o namorado, o comico declamará em paz a sua parte; o bobo
provocará o riso aos mais hypocondriacos, emfim a namorada estropiará os
versos para não deixar de dizer o que cumpre sinta no coração. Que
actores são?

ROSENCRANTZ

São os tragicos da cidade, que lhe agradavam tanto.

HAMLET

Porque se tornaram actores ambulantes? Com a permanencia na cidade,
auferiam de certo maior honra e lucros.

ROSENCRANTZ

Innovações recentes foram a causa d'isso.

HAMLET

Ainda gosam da mesma reputação que tinham quando eu habitava a cidade?
As suas representações ainda são muito concorridas?

ROSENCRANTZ

Pouco, senhor.

HAMLET

Porque será? Terão elles desmerecido no seu modo de representar?

ROSENCRANTZ

Não, meu senhor; o seu zêlo não arrefece: mas vossa alteza de certo
saberá, que appareceu um enxame de creanças, apenas saídas da primeira
infancia, que declamam o dialogo o mais simples, no tom o mais elevado,
e por isso são calorosamente applaudidas. São moda, e lançaram um tal
desfavor sobre os actores ordinarios, como ellas lhe chamam, que muitos
homens valentes no campo da batalha, mas que temem as pennas aguçadas,
não ousam frequentar o verdadeiro theatro.

HAMLET

Como? pois são creanças? Quem as protege? quem lhes paga? quererão
unicamente seguir a sua profissão emquanto conservarem a sua voz
aflautada? E se um dia pela força das circumstancias se tornarem actores
ordinarios, não terão direito então de se arrependerem, de terem
acceitado os encomios das pennas que bem mau serviço lhes prestaram,
quando se voltarem contra elles as armas de que se serviram para mal dos
outros.

ROSENCRANTZ

Não luctaram pouco entre si, e a nação inteira animou a contenda. Houve
um momento em que a receita do emprezario dependia de brigarem os
actores e auctores.

HAMLET

Será crivel?

ROSENCRANTZ

Houve mais de uma cabeça quebrada.

HAMLET

E foram as creanças que venceram?

ROSENCRANTZ

Sim, meu senhor. Venceram o proprio Hercules com o seu globo.

HAMLET

Nada me admira, sendo meu tio rei de Dinamarca. Os que o evitavam em
vida de meu pae, pagam agora o seu retrato em miniatura, por vinte,
cincoenta e cem ducados. Por vida minha que ha alguma cousa sobrenatural
em tudo quanto presenceâmos, e que em verdade a philosophia devia
esmerar-se por descobrir. (Ouve-se o som de uma musica de clarins ao
longe.)

GUILDENSTERN

Chegam os actores.

HAMLET

Senhores, bemvindos sejam em Elsenor. As suas mãos que eu as aperte. O
que distingue um bom acolhimento são os cuidados e as attenções polidas;
deixem-me recebel-os assim para não parecer que a cortezia para com os
actores, com os quaes é minha intenção ter a maior, ultrapassa a que
lhes testemunho pessoalmente aos senhores. Bemvindos sejam, mas o tio
que tenho por padrasto, e a mãe que tenho por tia estão completamente
enganados a meu respeito.

GUILDENSTERN

Em que se enganam elles?

HAMLET

Só estou louco quando o vento sopra do nor-noroeste, em soprando do sul,
distingo uma garça de um falcão.

Entra POLONIO

POLONIO

Saudo os senhores.

HAMLET

Escuta, Guildenstern, (a Rosencrantz) e tu tambem: a bom entendedor meia
palavra basta; esta creança que vêem ainda usa coeiros.

ROSENCRANTZ

Talvez que os torne a usar; a velhice é, segundo dizem, uma segunda
infancia.

HAMLET

Aposto que me vem fallar nos actores; vão ver. Tem rasão, senhor, foi
effectivamente na manhã de segunda feira.

POLONIO

Trago uma nova para vossa alteza.

HAMLET

Tenho tambem uma para o senhor. Quando Roscio era actor em Roma...

POLONIO

Os actores acabam de chegar.

HAMLET

Não é verdade.

POLONIO

Palavra de honra.

HAMLET

Cada actor virá montado n'um jumento.

POLONIO

São os melhores actores do mundo para a tragedia, comedia, drama
historico e pastoril, pastoral comica e historica, pastoral
tragico-comico-historica, com ou sem unidade do logar da acção. Para
elles não ha difficuldades, são tristes com Seneca, folgasãos com
Plauto. Não têem rivaes quanto ao estylo e á expressão.

HAMLET

Ó Jephthé, juiz em Israel, que thesouro possuias!

POLONIO

Que thesouro possuia elle, senhor?

HAMLET

Mas...

  Uma filha, uma só, mas essa encantadora
  Que era da noite sua a celestial aurora.

POLONIO (á parte)

Ainda minha filha.

HAMLET

Não tenho eu rasão, velho Jephthé?

POLONIO

Se me chama Jephthé, é porque tenho uma filha que estremeço.

HAMLET

Não é consequencia.

POLONIO

Então qual é a consequencia?

HAMLET

Eil-o.

  Mas Deus sabe porque o conto é memoravel!

Conhece o seguimento?

  Um dia aconteceu... o que era mais provavel.

Para o final recorde-se da primeira parte d'estas trovas, porque eis
quem me obriga a terminar.

Entram tres ou quatro ACTORES

HAMLET (continuando)

Bemvindos todos, bemvindos sejam. Estou encantado de te ver de boa
saude, bemvindos sejam, amigos. Ah, meu amigo, que mudança! já com
barba! Quererás tu fazer-me sombra em Dinamarca? Ah eis-vos tambem aqui,
minha menina! Por nosso senhor, depois que vos vi, subistes apenas um
degrau para o céu. Deus queira que a vossa voz, moeda de liga mutavel,
não se deprecie de mais com o tempo. Senhores, para mim são todos
bemvindos; mas vamos direitos ao assumpto, como os falcoeiros francezes,
que largam o falcão á primeira peça de caça que se apresenta, mostrem-me
a sua pericia; vamos, um trecho bem pathetico.

PRIMEIRO ACTOR

Que trecho preferis, senhor?

HAMLET

Ouvi-te um dia declamar um trecho de uma peça nunca representada em
scena, ou quando muito uma unica vez, porque, se bem me lembro, a peça
não agradou a todos; era _caviar_ para o geral do publico: mas, segundo
a minha opinião e das pessoas que n'este assumpto têem voz mais
auctorisada do que a minha, era uma peça excellente, bem conduzida e
escripta com tanta decencia como arte. Pelo que me lembro, diziam que os
versos não eram bastante picantes para compensar a insipidez da acção,
seu estylo na verdade nada tinha de affectado, mas que quanto ao resto a
peça, escripta com tanta simplicidade como methodo, era natural,
agradavel, e sem pretensão. Havia sobretudo um trecho que me agradou,
era, na falla de Eneas a Dido, o ponto em que lhe refere a morte de
Priamo. Se ainda te recordas, começa n'esta phrase, espera, deixa-me ver
se me lembro.

  Pyrrho, Pyrrho feroz como o tigre da Hyreania

Não é isso--começa por Pyrrho.

  Este ouriçado Pyrrho havia uma armadura
  Que, bem como a alma, tinha a côr da noite escura
  Quando elle era a dormir no cavallo sinistro.
  Mensageiro do mal, de Belzebut ministro,
  No corpo traz agora, em rubros caracteres,
  Mais sinistro brazão; da fronte aos pés o cora
  O sangue d'anciãos, d'infantes, de mulheres,
  E por mil bôcas, mata a sêde que o devora
  No sangue recosido aos raios d'essa chamma
  Que Troia, em fogo ardendo, em torno a si derrama.
  Tisnado pelo fogo e pela raiva ardente
  Após Priamo corre...

Continúa tu agora.

POLONIO

Boa declamação na verdade, com as medidas e intonações proprias.

PRIMEIRO ACTOR

                       O velho, já cansado,
  Mal vibra um frouxo golpe; aquella espada, outr'ora
  Como o raio veloz, lá onde cae descansa,
  Indocil á vontade, e á mão rebelde agora,
  Oh lucta desigual! lucta sem esperança,
  Pyrrho de raiva acceso, investe em frente e ao lado!
  E, só do gladio ao sôpro eil-o no chão prostrado
  O guerreiro senil! Então, Troia abatida
  Parece haver sentido, os golpes derradeiros:
  Ao ver prostrado o rei exhaure-se-lhe a vida,
  Desabam sobre a base em chammas os outeiros,
  E o som cavo e profundo a Pyrrho fere o ouvido.
  Eis de repente o gladio, a grande altura erguido,
  Já prestes a immolar a fronte alva, nevada,
  Do venerando rei, detem-se lá na altura.
  E Pyrrho assim parece um tyranno em pintura,
  Suspenso entre a vontade e a obra começada!
  Mas como, muita vez, pouco antes da procella
  Se faz como que ouvir um silencio que gela,
  Pára a nuvem no céu, o vento não retumba,
  E a terra a nossos pés é muda como a tumba;
  Subitamente após se vê no fundo baço
  Um raio que illumina e rasga o immenso espaço,
  Assim de Pyrrho a furia, instantes mal contida,
  Irrompe a completar a obra interrompida.
  Dos Cyclopes jamais caíram retumbantes
  Com remorso menor os malhos flammejantes
  Para forjar de Marte a gravida armadura,
  Que sobre o nobre velho, ensanguentada, impura,
  De Pyrrho a espada ardente!... É finda a horrenda lucta!
  Atrás, fortuna, atrás, atrás, vil prostituta!
  Vós, deuses immortaes, em synodo sagrado,
  Roubae-lhe o audaz poder, quebrae todos os raios
  Ás rodas do seu carro, e lá do céu lançae-os
  Tão baixo que o demonio os veja sempre ao lado.

POLONIO

Parece-me demasiado longo.

HAMLET

Para o encurtar manda-se a um barbeiro ao mesmo tempo
que a tua barba. (Ao actor.) Continúa, peço-to eu; se não lhe
apresentam um bailado grutesco, ou uma scena immoral adormece
logo. Continúa, pois, chegámos a Hecuba.

PRIMEIRO ACTOR

  Mas quem visse, oh, quem visse a rainha embuçada!

HAMLET

A rainha embuçada.

POLONIO

Optimo, _embuçada_ é bom.

PRIMEIRO ACTOR

  Correndo, nus os pés; com lagrimas que chora
  As chammas, apagando; a fronte coroada
  Por um farrapo vil, a fronte onde ainda agora
  Brilhava um diadema; apenas mal vestida
  Por coberta alcançada á pressa na fugida;
  Quem visse tanto horror, acaso concebêra
  Que a fortuna só tem entranhas de uma fera;
  Mas se os deuses do Olympo houvessem escutado,
  Quando ella vira Pyrrho entregue ao estranho goso
  De cortar membro a membro, o corpo ao morto esposo,
  De seu peito fremente, o grito amargurado
  A não ser que da terra ao céu não suba a magua
  Sentiriam como ella os olhos rasos d'agua!

POLONIO

Vejam, empallidece, o pranto inunda-lhe os olhos. Basta, peço-to.

HAMLET

Está bem, o resto m'o recitarás n'outra occasião; (a Polonio) queira
prover que estes actores sejam bem tratados, percebeu? que nada lhes
falte, porque são a chronica resumida e viva da epocha. Mais lhe
valeria, Polonio, um mau epitaphio depois da sua morte, do que o seu
vituperio em vida.

POLONIO

Tratal-os-hei segundo os seus merecimentos.

HAMLET

Melhor, meu caro, melhor; se se tratasse cada um segundo os seus
merecimentos, de poucos se faria caso. Trate-os como o deve á jerarchia
e á sua propria dignidade. Quantos menos titulos tiverem á sua
benevolencia, mais se deve esmerar no seu tratamento. Agora póde-se
retirar com elles.

POLONIO

Venham, senhores.

HAMLET

Sigam-o, meus amigos, ámanhã teremos a representação, (Polonio sáe com
os actores, menos um a quem Hamlet faz signal que fique.)

HAMLET (continuando)

Dize-me, meu caro amigo, poderias representar a morte de Gonzaga?

PRIMEIRO ACTOR

Com mil vontades, senhor.

HAMLET

Então ámanhã. Dize-me mais, poderias tu aprender de cór, sendo preciso,
doze ou dezeseis linhas que eu desejava intercalar na peça? pódes, não é
verdade?

PRIMEIRO ACTOR

Posso perfeitamente, meu senhor.

HAMLET

Fica pois ajustado, segue aquelle senhor, e só te peço que não zombes
d'elle. (O actor sáe.)

HAMLET (a Rosencrantz e Guildenstern)

Meus bons amigos, até á noite, estimei vel-os em Elsenor.

ROSENCRANTZ

Meu senhor. (Sáe com Guildenstern.)

HAMLET

Finalmente estou só. Que miseravel eu sou! Pois não será monstruoso que
este actor, n'uma ficção, na expressão de uma dor simulada, podesse
elevar a sua alma, identificando-se com a sua parte, exaltando-se a
ponto de empallidecer, de lhe borbulhar o pranto nos olhos, de se lhe
pintar o desespero nas feições, entrecortada está a sua voz, e o seu
todo faz uma verdade, de que não é senão uma situação fingida! E tudo,
por quem? por Hecuba; que é Hecuba para elle, ou elle para Hecuba, para
que a sua memoria lhe arranque lagrimas tão sentidas? Que faria elle no
meu logar, se tivesse tantos motivos de dor, quantos eu tenho. Inundava
de pranto a scena, aterrava os espectadores pela sua expressão terrivel,
fulminava o culpado, atemorisava o innocente; attonitas ficavam as almas
simples, e a commoção aos sentidos da vista e do ouvido seria geral. E
eu, alma tibia, intelligencia confusa, fico n'uma estupida inacção,
indifferente á minha propria causa, e nada acho que dizer, nada, mesmo
nada a favor de um rei que perdeu a corôa e a vida pelo mais inaudito
attentado! Ah como sou cobarde! Infame me deveriam chamar,
esbofetear-me, arrancar-me as barbas, lançar-m'as ao rosto com o
desprezo; insultar-me deveriam todos, dizer-me que pela gorja menti, e
obrigar-me a soffrer calado todos os vilipendios possiveis. Quem quer
fazel-o. Por vida minha que era justo; é forçoso que eu seja inoffensivo
como uma pomba sem fel, para levantar uma offensa, para não ter feito
pasto dos abutres as entranhas d'esse miseravel, sanguinario e impudico
scelerado. Monstro de perfidia, juntas ao assassinio o adulterio! Como
sou estupido! É bello na verdade ver-me, a mim, o filho de um rei e pae
assassinado, a quem céus e terra instigam á vingança, gastar a minha
indignação em palavras e vãs imprecações, como a mais vil e desprezivel
prostituta. Que vergonha!! Procuremos Uma idéa... (depois de uma pausa
prolongada) Eil-a, achei. Ouvi dizer que criminosos, assistindo a
representações dramaticas, de tal modo se perturbaram vendo a sua culpa
em scena, que espontanea e immediatamente fizeram confissão do seu
crime, porque o assassino embora mudo trahe-se e falla. Quero que os
actores representem, na presença de meu tio, a morte de meu pae,
observarei as suas feições, sondarei as suas impressões; se se
perturbar, sei o que me cumpre fazer. O espirito que me appareceu talvez
seja um demonio, porque póde revestir-se da fórma de um objecto amado,
tem poder sobre as almas melancholicas, e quem sabe se na minha fraqueza
e dor acha os meios para me perder, condemnando-me para sempre. Quero
ter a certeza completa; o drama em questão será o laço armado á
consciencia do rei. (Sáe.)


Fim do acto segundo




ACTO TERCEIRO


SCENA I

Uma sala no castello de Elsenor

Entram o REI, a RAINHA, POLONIO, OPHELIA, ROSENCRANTZ e GUILDENSTERN

O REI

Então ainda não poderam, nas suas conversas com elle, descobrir a causa
da desordem da sua intelligencia; d'aquella perigosa e turbulenta
demencia que se apoderou do seu espirito e lhe rouba o descanso?

ROSENCRANTZ

Confessa sentir esvaír-se-lhe a rasão; mas não conseguimos que elle nos
revelasse a causa.

GUILDENSTERN

Parece pouco disposto a deixar sondar os seus sentimentos. Na sua
loucura não o abandona um resto de sagacidade; conserva-se na defensiva
todas as vezes que tentâmos encaminhal-o a uma confissão tocante ao seu
estado.

A RAINHA

Recebeu-os bem ao menos?

ROSENCRANTZ

Com toda a affabilidade de um homem bem educado.

GUILDENSTERN

Mas evidentemente constrangido.

ROSENCRANTZ

Perguntando pouco, mas respondendo ás nossas perguntas com a maior
naturalidade.

A RAINHA

E experimentaram algum divertimento para o distrahir?

ROSENCRANTZ

O acaso fez-nos encontrar no caminho alguns actores; fallámos-lhe
n'elles, esta nova pareceu agradar-lhe. Estão aqui no palacio, e creio
já terem recebido ordem para representarem esta noite na sua presença.

POLONIO

É verdade, e pede a vossas magestades que assistam á representação.

O REI

Com o maior prazer; estimo vêl-o assim disposto. Queiram estimulal-o,
senhores, e dirigir a actividade do seu espirito para estes
divertimentos.

ROSENCRANTZ

Assim o faremos. (Sáe com Guildenstern.)

O REI

Deixa-nos tambem, querida Gertrudes. Mandámos chamar secretamente a
Hamlet, para como por acaso o pôr na presença de Ophelia. Seu pae e eu,
legitimos espias, collocar-nos-hemos de maneira que, sem sermos vistos,
assistamos á entrevista e possamos julgar pelas suas palavras, se é um
amor infeliz que assim o faz padecer.

A RAINHA

Obedeço retirando-me. Quanto a ti, Ophelia, desejo ardentemente que os
teus encantos sejam a feliz causa da demencia de Hamlet; porque terei
então esperança que as tuas virtudes o restituirão, a contento de ambos,
ao primitivo estado.

OPHELIA

Quanto o desejo, senhora.

POLONIO

Ophelia, passeia aqui n'esta sala; (ao rei) vamo-nos collocar, senhor;
(a Ophelia) lê n'este livro; esta leitura simulada servirá de pretexto á
tua solidão. Enganâmo-nos tantas vezes, e quão frequentemente acontece,
com uma capa de santidade e attitude reservada conseguirmos fazer um
santo do proprio demonio!

O REI

Oh é bem verdade; que pungente dor esta observação inflige á minha
consciencia! O rosto da prostituta não é mais asqueroso debaixo da
mascara do seu arrebique, do que o é o meu crime debaixo do falso verniz
do meu discurso. Oh peso terrivel!

POLONIO

Hamlet approxima-se, retiremo-nos, senhor. (O rei e Polonio occultam-se
atrás da cortina.)

Entra HAMLET

_Ser ou não ser_, eis o problema. Uma alma valorosa, deve ella supportar
os golpes pungentes da fortuna adversa, ou armar-se contra um diluvio de
dores, ou pôr-lhes fim, combatendo-as? _Morrer, dormir, mais nada_, e
dizer que por esse somno pomos termo aos soffrimentos do coração e ás
mil dores legadas pela natureza á nossa carne mortal; e será esse o
resultado que mais devamos ambicionar? _Morrer, dormir, dormir, sonhar
talvez_; terrivel perplexidade. Sabemos nós porventura que sonhos
teremos, com o somno da morte, depois de expulsarmos de nós uma
existencia agitada? E não deverei eu reflectir? É este pensamento que
torna tão longa a vida do infeliz! Quem ousaria supportar os flagellos e
ultrages do mundo, as injurias do oppressor, as affrontas do orgulhoso,
as ancias de um amor desprezado, as lentezas da lei, a insolencia dos
imperantes, e o desprezo que o ignorante inflige ao merito paciente,
quando basta a ponta de um punhal para alcançar o descanso eterno? Quem
se resignaria a supportar gemendo o peso de uma vida importuna, se não
fosse o receio de alguma cousa alem da morte, esse ignoto paiz, do qual
jámais viajante regressou? Eis o que entibia e perturba a nossa vontade;
eis o que nos faz antes supportar as nossas dores presentes do que
procurar outros males que não conhecemos. Assim, somos cobardes todos,
mas pela consciencia; assim a brilhante côr da resolução se transforma
pela reflexão em pallida e livida penumbra, e basta esta consideração
para desviar o curso das emprezas mais importantes, e fazer-lhes perder
até o nome de acção. Mas silencio, vejo a linda Ophelia. Joven beldade,
lembra-te dos meus peccados nas tuas orações.

OPHELIA

Como tem vossa alteza passado estes dias ultimos?

HAMLET

Bem, agradeço-te do coração.

OPHELIA

Senhor, tenho dadivas e lembranças suas que ha muito lhe desejava
restituir. Permitta-me que lh'as devolva.

HAMLET

Eu! de certo que não, nunca te dei nada.

OPHELIA

O principe sabe perfeitamente que me fez essas dadivas, e as doces
palavras que as acompanharam ainda lhes realçaram o valor; agora que
perderam todo o seu perfume, tome-as, principe, porque para uma alma
nobre, as mais ricas dadivas perdem o seu valor, no momento em que
aquelle que nol-as fez só nos mostra indifferença. Receba-as, pois,
senhor.

HAMLET

Ah, ah, és virtuosa.

OPHELIA

Meu senhor.

HAMLET

És bella.

OPHELIA

Que diz vossa alteza?

HAMLET

Digo que se és virtuosa e bella, deves evitar toda a communicação entre
a tua virtude e a tua belleza.

OPHELIA

Que melhor commercio ha para a belleza que o da virtude?

HAMLET

A influencia da belleza será mais prompta em metamorphosear a virtude em
vil cortezã, do que a força da virtude em transformar a belleza á sua
imagem. Antigamente seria paradoxo, hoje é um facto provado. Amei-te
n'outro tempo, é verdade.

OPHELIA

Vossa alteza bem m'o fez acreditar.

HAMLET

Fizeste mal em acreditar. Porque embora a virtude se inocule na nossa
primitiva natureza, sempre nos ficam restos d'ella. Nunca te amei.

OPHELIA

Maior foi o meu engano.

HAMLET

Professa, Ophelia, encerra-te n'um claustro. Para que queres continuar
uma raça de peccadores; quanto a mim julgo-me ainda assás honesto; e
comtudo podia formular contra mim taes accusações, que melhor teria
valido, que minha mãe me não tivesse dado á luz. Sou orgulhoso,
vingativo e ambicioso; gero no meu cerebro tantas acções más, que o meu
pensamento não basta para as distinguir, nem a minha imaginação para
lhes dar uma fórma, e falta-me o tempo para as executar. Que vantagem
haverá pois que seres como eu se rojem como reptis entre o céu e a
terra? Todos somos infames, não te fies em nenhum homem; vae, recolhe-te
a um claustro. Onde está teu pae?

OPHELIA

Em casa, meu senhor.

HAMLET

Que lhe fechem as portas para impedir que represente de louco fóra de
casa. Adeus.

OPHELIA

Deus misericordioso, tende piedade de Hamlet.

HAMLET

Se alguma vez te casares, dar-te-hei como dote esta triste verdade. Sê
tu fria como o gêlo; se fores pura como a neve a calumnia não te
poupará. Entra para um claustro, professa, adeus. Mas se absolutamente
precisas um marido, então escolhe um louco, porque os homens assisados
sabem em que monstros vós as mulheres os tornaes. Professa, recolhe-te a
um convento, mas avia-te. Adeus.

OPHELIA

Poderes celestes, restitui-lhe a rasão!

HAMLET

Tambem ouvi fallar da vossa loquacidade. Deus deu-vos um porte e vós o
transformaes por vossa culpa. Saltitaes, requebrae-vos; gestos e
affabilidade são artificio, zombaes das creaturas de Deus, e fazeis
passar por ignorancia o que é simples e pura affectação. Nem quero
pensar em vós, mulheres; foi o que me enlouqueceu. Digo que não teremos
mais casamentos, todos que estão casados viverão, excepto um, os outros
ficarão como estão. Professa, entra para um convento, vae. Adeus.
(Hamlet sáe.)

OPHELIA (só)

Oh que nobre intelligencia está ali desthronada. A perspicacia do homem
de côrte, a espada do guerreiro, a palavra do sabio, o futuro d'este
reino, o espelho do bom tom, o typo dos modos nobres, o modelo em que
todos fictavam os olhos, tudo destruido e destruido sem esperança; e eu,
a mais afflicta e infeliz das mulheres, eu que saboreei a inebriante
ambrosia dos seus juramentos de amor, estou condemnada a ver essa
potente e elevada rasão, similhante ao bronze fendido, não dar senão
sons falhos e dissonantes; e tanta belleza e juventude crestadas pelo
sôpro da demencia! Oh infeliz, oh desgraçada, que vi o que vi, e vejo o
que vejo!!!

Sáem de trás da cortina o REI e POLONIO

O REI

O amor! não é a ella que elle dedica a sua affeição; alem d'isso o seu
fallar, aindaque um pouco falto de logica, não tem cunho de loucura. Ha
na sua alma alguma dor secreta. Receio algum perigo que nos seja fatal.
Para prevenir esse resultado, eis o plano que formei e no qual assentei.
Quero que Hamlet parta sem demora para Inglaterra, para reclamar o
tributo a que esse paiz se nega e a que é obrigado. Talvez que o mar, a
mudança de clima, a vista de objectos novos, lhe restituam a rasão,
expulsando do seu coração aquella obstinada preoccupação. Que lhe
parece?

POLONIO

Parece-me acertado. Comtudo persisto na minha idéa, que um amor
desprezado é a causa unica da sua dor. (A Ophelia) Não precisas
referir-nos o que te disse o sr. Hamlet. Tudo ouvimos. (Ao rei) Senhor,
faça o que lhe parecer conveniente, mas se me quer dar ouvidos, diga á
rainha, que, depois da representação, o chame a sós e inste para
conhecer d'elle a causa da sua mágua; porém cumpre que lhe falle
severamente: com o vosso assentimento ouvirei escondido toda a
conversação. Se a rainha não podér penetrar aquelle espirito rebelde a
toda a confidencia, ordene-lhe então a partida, e desterre-o, senhor,
para o logar que a prudencia lhe dictar.

O REI

Concordo plenamente comtigo; nos grandes é que a demencia deve ser mais
vigiada. (Sáem todos.)


SCENA II

Uma sala no castello de Elsenor

Entram HAMLET e differentes actores

HAMLET (a um dos actores)

Não esqueças de dizer aquelle trecho, tal qual o declamei na tua
presença; mais que tudo fogo e energia; mas se o recitares como a maior
parte dos actores, mais me valeria ouvir a minha prosa na bôca de um
pregoeiro. Não movas descompassadamente os braços, acciona
moderadamente; no meio mesmo da torrente, da tempestade, do tufão, da
paixão, procura ser comedido. Nada impressiona mais desfavoravelmente,
do que ver homens robustos reduzirem a pó uma paixão e escorchar os
ouvidos dos assistentes, que, pela maior parte, não merecem senão uma
declamação absurdamente arrebatada e uma acção desordenada. Açoutados
mereciam esses actores, cujo accionado mais parece renhida batalha, e
que mais crueis se fingem que um Herodes de comedia. Peço-te que evites
esses defeitos.

PRIMEIRO ACTOR

Pela minha parte, prometto-lh'o, senhor.

HAMLET

Não vás tambem caír no excesso contrario, sirva-te de guia a tua
intelligencia. Accommoda a acção ás palavras, as palavras á acção, tendo
sempre em vista a naturalidade; só é proprio da scena intelligente, que
foi e é o espelho em que se deve reflectir a natureza, mostrar a virtude
tal qual é, a vaidade sem véu, e cada tempo e cada idade com a sua
physionomia propria e com o cunho de verdade. Se se excede, ou se fica
áquem do fim proposto, poderá excitar-se a hilaridade do homem
ignorante, mas afflige-se o sensato, cujo juizo vale mais que o
suffragio de uma sala inteira. Oh! vi representar e ouvi elogiar
actores, que, Deus me perdôe, nada tinham de christão na voz, nada de
christão, pagão ou mesmo humano no porte, e que se estorciam e bramavam
de tal modo, que sempre os julguei obra de algum aprendiz da natureza,
que, querendo fabricar homens, errou a vocação, e não tinha produzido
senão uma desgraçada imitação da humanidade.

PRIMEIRO ACTOR

Espero em Deus, que vossa alteza não nos poderá notar taes defeitos;
entre nós, senhor, estão banidas de todo as exagerações.

HAMLET

Mas que o estejam na verdade; que os bobos não digam mais do que ao que
são obrigados pela sua parte; alguns ha que introduzem alguma facecia
para excitar o riso dos espectadores ignaros no ponto em que mais
attenção se reclama da parte do publico. É um desacerto, e o bobo que
recorre a esses expedientes, mostra uma pretensão desgraçada. Vão-se
agora preparar. (Os actores sáem.)

Entram POLONIO, ROSENCRANTZ e GUILDENSTERN

HAMLET (a Polonio)

Então o rei está decidido á nossa peça?

POLONIO

Com certeza, e a rainha tambem. Não tardam.

HAMLET

Diga então aos actores que se aviem. (Polonio sáe.)

HAMLET (continuando, a Rosencrantz e Guildenstern.)

Querem fazer-me o favor de tambem ir apressar os preparativos.

AMBOS

Sim, meu senhor. (Sáem.)

Entra HORACIO

HAMLET

Ah, és tu, Horacio?

HORACIO

Estou sempre ás suas ordens, meu senhor.

HAMLET

Meu caro Horacio, és a flor dos homens, cujo trato tenho cultivado.

HORACIO

Meu querido senhor.

HAMLET

Não julgues que te lisonjeio; que posso eu esperar de ti, cujas unicas
rendas são a jovialidade e a honestidade. Quem lisonjeia um pobre? Não,
que a lisonja roja-se aos pés da opulencia estupida, e o servilismo
curva o joelho, á espera do comprador. Escuta, depois que a minha alma
pôde livremente escolher e soube distinguir os homens, marcou-te com o
sêllo da predilecção, porque reconheceu em ti um homem que não se abate
pelos revezes; um homem que acceita com a mesma indifferença os favores
e os rigores da fortuna; felizes os mortaes em quem o juizo e as paixões
têem igual imperio, e não são um joguete nas mãos da fortuna. Mostrem-me
um homem que não seja escravo das paixões, e terá conquistado, como tu,
o meu coração, e abrir-lhe-hei o santuario da affeição mais íntima.
Basta sobre o assumpto. Deve-se hoje representar na presença do rei um
drama, no qual ha uma scena, que é a historia da morte de meu pae, cujos
pormenores já em tempo te contei. Quando se approximar a scena, observa
meu tio, com toda a vigilancia que auctorisam as minhas suspeitas; se o
segredo do seu crime se não revelar por alguma palavra, então era a
apparição obra do demonio, e as minhas imaginações são mais negras que
as lavas e cinzas de um vulcão. Tu observa-o attentamente, eu não o
perderei de vista; depois, juntando os nossos juizos, concluiremos
conforme ao que virmos.

HORACIO

Muito bem, senhor, tão firme estarei no meu posto de observação, que
juro por Deus, que me não escapará um movimento, uma impressão da sua
alma.

HAMLET

Eil-os que chegam para a representação; agora, cumpre-me ser espectador
indifferente. (Ouve-se a marcha real e clarins.)

Entram o REI, a RAINHA, POLONIO, OPHELIA, ROSENCRANTZ, GUILDENSTERN e a
CORTE

O REI

Como passa nosso sobrinho Hamlet?

HAMLET

Melhor não póde ser; em verdade passei a viver como os camaleões,
nutro-me só de ar, e alimento-me de promessas, as iguarias mais finas
não me satisfariam melhor.

O REI

A tua resposta é-me inintelligivel; não é de certo a mim que ella é
dirigida.

HAMLET

Pois nem a mim. (A Polonio.) Não me disse que já tinha representado uma
vez, quando cursava a universidade?

POLONIO

É verdade, senhor, e era reputado um habil actor.

HAMLET

Que parte representou?

POLONIO

A de Julio Cesar; assassinaram-me no capitolio; Bruto apunhalava-me.

HAMLET

Que brutalidade apunhalar, e n'aquelle logar, um tão excellente bezerro.
Os actores já estão promptos?

ROSENCRANTZ

Sim, meu senhor, esperam só as ordens.

A RAINHA

Vem, meu Hamlet, sentar-te a meu lado.

HAMLET

Não, minha mãe; (mostrando Ophelia) este metal tem mais força de
attracção.

POLONIO

Que me diz agora, senhor?

HAMLET

Ser-me-ha permittido estar a vossos pés, senhora? (Senta-se no chão aos
pés de Ophelia.)

OPHELIA

Não, meu senhor.

HAMLET

Queria dizer, recostar a cabeça sobre vossos joelhos.

OPHELIA

Sim, meu senhor.

HAMLET

Pensaveis talvez que tivesse outra idéa?

OPHELIA

Nada pensava.

HAMLET

É um pensamento este digno de um coração de donzella.

OPHELIA

O que, senhor?

HAMLET

Nada.

OPHELIA

Vejo-o hoje alegre, senhor.

HAMLET

Quem, eu?

OPHELIA

Sim, vossa alteza.

HAMLET

Sou o seu bobo e nada mais. Cousa alguma ha melhor para o homem do que a
alegria. Repare, veja como minha mãe está hoje muito alegre, e ainda não
ha duas horas que meu pae morreu.

OPHELIA

Vossa alteza engana-se por certo; ha mais de duas vezes dois mezes.

HAMLET

Tanto tempo!! n'esse caso use o demonio o lucto, eu quero vestir-me de
arminhos. Oh céus, morto ha dois mezes, e ainda não esquecido, não é
então de estranhar que a recordação de um grande homem dure mais de seis
mezes; mas, pela Virgem Santa, deve então ter edificado igrejas, aliás
arriscava-se a que o esquecessem, como aquelle a quem lavraram este
epitaphio:

_Aqui jaz esquecido um cavallo de pau._

Soam os clarins, começa a pantomima

(Um rei e uma rainha entram em scena, o seu aspecto é de namorados,
abraçam-se. A rainha ajoelha aos pés do rei, mostrando pelos seus gestos
que lhe protesta o mais vivo amor. O rei levanta-a, e inclina a cabeça
sobre o seu hombro; depois deita-se n'um banco coberto de flores. A
rainha vendo-o adormecido, sáe. Apparece um personagem que lhe tira a
corôa e a leva aos labios, lança veneno n'um ouvido do rei, e sáe em
seguida. Volta a rainha, acha o rei morto, e dá mil signaes de
desespero. O envenenador seguido por duas ou tres pessoas, chega e
parece lamentar-se com a rainha. O cadaver é levado da scena. O
envenenador requesta a rainha, dá-lhe presentes. Ella mostra a principio
repugnancia, mas acaba por acceitar o amor offerecido. Sáem.)

OPHELIA

Que significa esta scena, senhor?

HAMLET

Nada que seja bom, é um laço armado ao crime.

OPHELIA

Esta pantomima indica sem duvida o entrecho da peça?

Entra o PROLOGO

HAMLET

Vamos sabel-o, os comediantes não podem guardar um segredo, têem por
costume fallar sempre.

OPHELIA

Explicará elle o que significa a pantomima?

HAMLET

Sem duvida, não só essa, mas todas as que lhe quizer apresentar,
qualquer que seja a sua especie, e terá a explicação prompta.

OPHELIA

O principe é mau, deixe-me seguir a peça.

O PROLOGO

  Pedimos, para nós, toda a vossa indulgencia;
  Para a nossa tragedia, attenta paciencia.

HAMLET

Parece antes divisa de annel do que prologo.

OPHELIA

Tão curto, senhor.

HAMLET

Como o amor de uma mulher.

Entram um REI e uma RAINHA

O REI DA PEÇA

  Trinta vezes de Phebo o carro luminoso
  De Tellus e Neptuno, o largo giro ha feito,
  E trinta vezes doze a lua, astro saudoso,
  De refrangida luz, á terra ha dado o preito,
  Desde que as nossas mãos, com mutuo amor se deram,
  E as bençãos d'Hymeneu o sacro nó teceram.

A RAINHA DA PEÇA

  Possamos lua e sol, ver outras tantas vezes,
  Antes que d'este amor se rompa o doce laço;
  Mas seguem-se á ventura as maguas, os revezes,
  E vejo-vos caído, ha pouco, em tal cansaço,
  Tão triste, meu senhor, tão triste e tão mudado,
  Que não posso esconder mais tempo o meu cuidado.
  Mas que não se perturbe o vosso animo forte
  Porque inquieta eu sou, e ousei pensar na morte.
  De affecto e de anciedade igual medida temos,
  Ou nullos um e o outro, ou um e o outro extremos.
  Se é grande o meu amor, demais senhor o vêdes,
  Que a par anda o receio, em minha fronte o lêdes.
  Sempre que o amor é grande, as apprehensões mais breves
  Transformam-se de prompto em maximos temores;
  Quando é grande o receio, os affectos mais leves
  Ascendem de repente aos mais grandes amores.

O REI DA PEÇA

  Bem cedo é força, amor, que d'este mundo eu parta,
  Bem vês, d'esta alma a luz já quasi que se aparta.
  Tu viverás sem mim, sob este céu formoso,
  Querida, idolatrada e sempre honesta e casta.
  Depois, talvez depois, quem sabe? um novo esposo...
  Um homem justo e bom...

A RAINHA DA PEÇA

                           Oh! basta, senhor, basta!
  Seria um novo amor perfidia negra e infame.
  Amaldiçoado seja o dia em que outro eu ame!
  Embora justo e bom, segundo companheiro
  Não n'o acceita ninguem, sem ter morto o primeiro.

HAMLET

Isto é absintho, e que absintho!

A RAINHA DA PEÇA

  Poisque motivo arrasta a viuva ao casamento?
  Acaso um novo amor? um nobre sentimento?
  Um sordido interesse: e eu cravára no peito
  De meu morto senhor a ponta de uma espada,
  Cada vez que, olvidando a antiga fé jurada,
  Compartisse outro ser commigo o mesmo leito.

O REI DA PEÇA

  Creio bem, que pensaes o que dizeis, se creio?!
  Mas quanta, oh! quanta vez, se quebra a acção no meio,
  Nasce a resolução escrava da memoria,
  Producto da violencia, é curta a sua historia.
  A fructa emquanto verde em qualquer ramo atura
  Mas, sem abalo algum, tomba apenas madura.
  Fatalmente olvidando o que a nós nos devemos
  Não pagâmos jámais, a divida esquecemos.
  O que durante a dor parece a eternidade,
  Mal extincta a paixão, cessa de ser vontade.
  O jubilo e o martyrio, ainda os mais completos,
  Destruindo-se a si, destroem seus decretos.
  Onde o prazer mais ri, mais chora a dor pungente;
  Entristece a alegria, alegra-se a tristeza,
  Á causa mais subtil, ao mais leve accidente,
  E este um dom fatal da vária natureza.
  Passâmos pelo mundo, e nada aqui tem dura
  Que até o proprio amor muda com a ventura;
  Porque é problema ainda occulto aos pensadores
  Se dá o amor fortuna, ou se a fortuna amores.
  Um principe decáe? somem-se os que os adulam;
  Um mendigo se eleva? os amigos pullulam.
  Até aqui o amor seguiu sempre a fortuna;
  Quem não precisa encontra em toda a parte amigos,
  E quem precisa e pede, é lepra que importuna,
  Todos transforma e muda em feros inimigos,
  Mas para concluir, escuta o corollario:
  A vontade e o destino, andam tanto ao contrario
  Que o mais leve projecto é sempre letra morta.
  Assim crês, não terás jamais outro marido;
  Pois abra-me o sepulchro a sua eterna porta
  E tudo irá sumir-se em um perpetuo olvido.

A RAINHA DA PEÇA

  Negue-me a terra o pão, e a luz o firmamento!
  O meu goso maior transforme-se em tormento!
  Minha esperança e fé tornem-se em negro inferno!
  Seja a fome em prisão o meu futuro eterno!
  Não tenha eu, viva ou morta, o mais curto repouso,
  Se, viuva uma vez, tomar um outro esposo!

HAMLET

E se lhe acontecer violar o juramento?

O REI DA PEÇA

  Solemne juramento!... Amor, deixa-me agora;
  Exhausta sinto a fronte, e bom grado entregára
  Os restos d'este dia á paz consoladora
  Dos braços de Morpheu. Adeus! Oh! sempre cara. (Adormece.)

A RAINHA DA PEÇA

  Que um somno brando e doce embale a tua mente
  E a desgraça jamais entre nós dois se assente!... (Sáe a rainha.)
                
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