HAMLET
Senhora, como acha esta peça?
A RAINHA
A rainha parece-me que faz demasiados protestos.
HAMLET
Mas dada a palavra, não póde faltar.
O REI
Conhece a peça? não contém nada reprehensivel?
HAMLET
Absolutamente nada; tudo quanto contém é só gracejo, até se envenena por
gracejo. É a peça mais inoffensiva que póde haver.
O REI
Que titulo tem?
HAMLET
O _Laço_, já se sabe, por metaphora. O assumpto da peça é um assassinio
commettido em Vienna. O rei chama-se Gonzaga, sua mulher Baptista. Vae
ver, um crime horrivel. Mas que importa a vossa magestade e a mim, que
temos a consciencia pura e que nada temos a receiar! O peior é para
aquelles a quem punge algum espinho, a nós nada nos pesa na consciencia.
Entra LUCIANO
HAMLET (continuando)
É este um chamado Luciano, sobrinho do rei.
OPHELIA
Vossa alteza faz o serviço do côro.
HAMLET
Podia até servir de ponto n'uma conversa sua com o seu amante; o caso
era eu ver manobrar os dois titeres.
OPHELIA
Sois na verdade mordaz, principe; sois bem mordaz.
HAMLET
A sua pena seria que eu deixasse de o ser.
OPHELIA
De bem para melhor, de mal para peior.
HAMLET
É a sorte que a espera na escolha de um marido! Começa, assassino. Põe
de parte esses horriveis tregeitos, avia-te, começa.
Eis o corvo que avança,
Chamando em seu grasnar a lugubre vingança.
LUCIANO
O pensamento negro, o braço bem disposto,
A droga preparada, a hora favoravel,
Cumplice a occasião, a ver nem um só rosto.
Mistura infecta e immunda, extracto abominavel
De peçonhenta sarça á meia noite achada,
Tres vezes polluida e tres envenenada
D'Hecate á maldição, possa a tua virtude
Fechar uma existencia, e abrir um ataúde.
(Deita veneno n'um ouvido do rei adormecido.)
HAMLET
Envenena-o no jardim, para se apoderar da corôa. O nome do rei é
Gonzaga; é uma historia authentica escripta no mais elegante italiano.
Verão como logo o assassino obtem o amor da mulher de Gonzaga.
OPHELIA
O rei levantou-se.
HAMLET
Quê!! um pequeno clarão apenas, já o assusta?
A RAINHA
Que tem, senhor?
POLONIO
Cesse a peça.
O REI
Tragam luzes. Saiâmos.
POLONIO
Luzes, venham luzes, luzes. (Todos sáem, excepto Hamlet e Horacio.)
HAMLET
Sim! que fuja e que chore o cervo mal ferido,
E o que ao golpe escapou, gose um prazer profundo.
Quando um chora, outro ri. Oh! sempre assim ha sido,
E assim é feito o mundo.
Se alguma vez a fortuna me maltratar, não bastaria uma scena de effeito
como esta, acrescentando-lhe um chapéu ornado de pennas, e duas rosas de
Provença nos laços dos sapatos, para que me admittissem n'uma companhia
dramatica.
HORACIO
Talvez o admittissem, mas com meia paga.
HAMLET
Ou inteira.
Porque sabes, Damon, bem sabes tu que outr'ora
Mandava n'este reino, que vês hoje aviltado,
Qual Jupiter no Olympo, um grande rei... agora
Governa aqui... um chavo.
HORACIO
Foi pena não rimar.
HAMLET
Meu querido Horacio, aposto mil libras esterlinas, em como a sombra
fallou só a verdade. Reparaste?
HORACIO
Em tudo reparei, senhor.
HAMLET
Quando se tratava do envenenamento?
HORACIO
Tudo observei.
HAMLET
Ah! ah! ah! quero musica, tanjam as charamelas.
Porque, se da comedia o rei não gosta nada,
Sei eu dar a rasão... não gosta, está dada.
Venha a musica, quero muita musica. (Entram Rosencrantz e Guildenstern.)
GUILDENSTERN
Senhor, permitta-me que lhe dê uma palavra.
HAMLET
Mil até, se n'isso fizer gosto.
GUILDENSTERN
Senhor... o rei...
HAMLET
Que é?... que me vem dizer d'elle?
GUILDENSTERN
Retirou-se aos seus aposentos, estranhamente indisposto.
HAMLET
Pelo vinho?
GUILDENSTERN
Não, senhor, mas pela colera.
HAMLET
Mais assisado seria terem chamado um medico. Eu não faria senão
exacerbar a sua colera com a minha presença.
GUILDENSTERN
Queira, senhor, ter mais nexo nos seus discursos, e não se afastar assim
tão bruscamente da questão.
HAMLET
Escutal-o-hei tranquillamente. Falle.
GUILDENSTERN
A sua rainha e mãe me envia a vossa alteza.
HAMLET
Bemvindo seja.
GUILDENSTERN
Senhor, essa polidez é mal cabida n'esta occasião. Se me promette
responder rasoavelmente, executarei então as ordens de sua mãe, quando
não, retiro-me pedindo desculpa a vossa alteza.
HAMLET
Não posso.
GUILDENSTERN
O que, meu senhor?
HAMLET
Responder rasoavelmente; a minha intelligencia enfermou, no emtanto
dar-lhe-hei uma resposta, ou antes como ordena a minha mãe, a melhor que
podér. Diga-me agora, que pretende de mim a rainha?
ROSENCRANTZ
Encarregou-nos de lhe dizer, principe, que o seu comportamento lhe
causou espanto e dor.
HAMLET
Ah! sou pois um filho tão extraordinario que causo espanto e dor a minha
mãe! Nada mais lhe disse? Fallem.
ROSENCRANTZ
Deseja fallar-lhe, alteza, no seu quarto, antes de o principe se deitar.
HAMLET
Obedecer-lhe-hemos, aindaque fosse dez vezes nossa mãe. Tem mais alguma
cousa a dizer?
ROSENCRANTZ
Houve tempo em que o principe era meu amigo.
HAMLET
Ainda hoje o sou, juro-o por estes dez dedos.
ROSENCRANTZ
Senhor, qual é a causa da sua dor profunda? É impor-se um
constrangimento inutil, guardar esse segredo para comnosco, que somos
tão seus amigos.
HAMLET
Inquieta-me o meu futuro!
ROSENCRANTZ
Como póde isso ser, pois o rei já o escolheu para successor ao throno de
Dinamarca?
HAMLET
É verdade; mas guardado está o bocado... o proverbio é antigo.
Entram differentes actores cada um com uma charamela
HAMLET
Ah! chegam as charamelas, dá-me uma. (Tira a charamela a um dos
actores.) Quer que o acompanhe? então deixe de me perseguir como o
caçador persegue a caça.
GUILDENSTERN
Se o meu zêlo, senhor, me faz obstinado, é porque a affeição me torna
importuno.
HAMLET
Não o posso comprehender, faz-me favor de tocar n'esta charamela.
GUILDENSTERN
Senhor, eu não sei!
HAMLET
Peço-lhe.
GUILDENSTERN
Creia-me, senhor, não posso.
HAMLET
Supplico-lhe.
GUILDENSTERN
Se nunca soube tocar tal instrumento!
HAMLET
Pois mais difficil é mentir. Com os quatro dedos e o pollegar tapam-se e
destapam-se por sua vez os orificios; sopre, e verá que encantadora
harmonia produz. Vamos.
GUILDENSTERN
Mas, senhor, eu não posso nem sequer tirar um som d'este instrumento;
falta-me o talento.
HAMLET
Que especie de imbecil me julga então? Sou a seus olhos um instrumento
de que pretende tirar sons, e que parece conhecer tão bem. Pretende
sondar até ao fundo da minha alma, para descobrir o meu segredo; queria
então fazer vibrar todas as cordas do meu sentimento. D'este pequeno
instrumento (Mostrando-lhe a charamela) tiram-se sons e notas as mais
melodiosas; e comtudo nas suas mãos não póde fallar. Pela Virgem santa,
sou então mais facil de tocar do que uma flauta? O que lhe asseguro é
que se me julga um instrumento nas suas mãos, nunca conseguirá fazel-o
fallar. Está muito enganado commigo.
Entra POLONIO
HAMLET (continuando)
Guarde-o Deus.
POLONIO
Senhor, a rainha deseja fallar-lhe immediatamente.
HAMLET (approximando-se de uma janella)
Vê acolá aquella nuvem que tem quasi a fórma de um camello?
POLONIO
Não ha duvida, dir-se-ia effectivamente um camello.
HAMLET
Parece-se mais com uma doninha.
POLONIO
É verdade! tem o feitio da doninha.
HAMLET
Ou de uma baleia?
POLONIO
Realmente, com o que se parece é com uma baleia.
HAMLET
Agora vou ter com minha mãe, hão de acabar por enlouquecer-me devéras.
Vou já.
POLONIO
Vou communical-o á rainha. (Polonio sáe.)
HAMLET
Já! É facil dizel-o. Deixem-me sós, meus amigos. (Sáem todos excepto
Hamlet.)
HAMLET (só)
É esta a hora da noite propria dos mysterios da magia, a hora em que os
tumulos se abrem, em que o inferno exhala sobre a terra o seu sopro
contagioso; agora sinto-me capaz de beber sangue ainda fumegante, e
commetter actos que o dia consternado não poderia presencear sem terror!
Prudencia! Vamos ao quarto de minha mãe. Oh! meu coração, não dispas o
teu vigor; firmeza agora, mas que o coração de Nero nunca entre em meu
peito. Sejamos inflexiveis, mas não filho desnaturado; seja a minha
lingua um punhal, mas minha mão esteja desarmada; e n'esta occasião
sejam a minha bôca e o meu coração obrigados pela rasão a dissimular.
Por mais violentas que sejam as minhas palavras, dae-me força, meu Deus,
para que sejam sempre comedidas, assim como os meus actos. (Sáe.)
SCENA III
Um quarto no castello de Elsenor
Entram o REI, ROSENCRANTZ e GUILDENSTERN
O REI
Ha n'elle alguma cousa que me desagrada, e creio que haveria perigo para
nós em não vigiar a sua loucura; façam pois todos os preparativos de
viagem. Vou dar as ordens, e quero que parta sem demora para Inglaterra
acompanhado pelos senhores. O interesse da nossa corôa me veda o
expor-me aos continuos perigos com que a sua demencia me ameaça.
GUILDENSTERN
Vamo-nos preparar. É um receio santo e salutar o que tem por objecto
assegurar a salvação de innumeras existencias, que depende da vida de
vossa magestade.
ROSENCRANTZ
É um dever que toca a cada um na sua esphera individual, o applicar
todas as suas forças e toda a energia para defender a propria vida
contra qualquer ataque; quanto mais obrigado a fazel-o é aquelle de cuja
vida dependem tantas existencias! Quando um rei morre, não morre só, é
um turbilhão que attrahe tudo quanto encontra no caminho, ou lhe fica
proximo: roda colossal fixada no cume de uma elevada montanha, cujos
gigantescos raios estão carregados de innumeros accessorios, e cuja
quéda os impelle forçosamente a um desastre commum. Quando o rei padece,
padecem todos.
O REI
Preparem-se, peço-lh'o, para uma partida immediata, porque estamos
resolvidos a pôr um termo ás causas de inquietação que demasiado
livremente se dão n'este paiz.
AMBOS
Não nos faremos esperar. (Sáem.)
Entra POLONIO
POLONIO
Senhor, Hamlet entrou agora para o quarto de sua mãe; occultar-me-hei
cuidadosamente para ouvir a sua conversa. Asseguro a vossa magestade que
a rainha o vae reprehender severamente. É conveniente, como el-rei muito
bem disse, que outros ouvidos que não sejam os de mãe, naturalmente
propensos á indulgencia, ouçam o que se disserem mutuamente. Adeus, meu
senhor; virei aos seus quartos antes que vossa magestade se recolha, e o
rei será sabedor de tudo quanto se passou.
O REI
Obrigado, Polonio. (Polonio sáe.)
O REI (só)
O meu crime já não tem perdão no céu, está marcado pelo estigma da
maldição divina, como o foi o primeiro fratricida. Apesar de todos os
meus desejos, não posso orar; pareço um homem que duas occupações
reclamam, e que, não sabendo por qual optar, não escolhe nenhuma.
Poisque, quando sobre esta mão maldita se formasse uma crosta de sangue
mais espessa que a propria mão, não teria o céu bastante misericordia
para que a onda da sua graça a purificasse e a tornasse branca como a
neve? Para que serve a bondade divina, senão para remir as nossas
culpas? De que vale a oração, se não tem a dupla virtude de prevenir a
nossa quéda, ou obter o perdão depois d'ella? Dirijâmos as nossas
supplicas ao céu, já que não podemos evitar o crime consummado. Mas,
infeliz, como hei de orar? Perdoae-me, Senhor, o meu crime nefando. Não
posso, poisque possuo os objectos que me induziram ao assassinio, corôa,
throno e consorte. Poder-se-ha obter o perdão, quando se conservam os
fructos do crime? N'este mundo corrompido, a iniquidade póde a preço de
oiro desviar o curso da justiça, e com o producto do crime comprar a
impunidade; mas o céu é justo, todo o subterfugio é inutil; ali os
nossos actos são justamente avaliados e os nossos crimes conhecidos. Que
devo fazer? Nada me resta. Tentemos o arrependimento. Grande é a sua
efficacia; mas que póde n'aquelle a quem mesmo o arrepender-se é vedado?
Oh! deploravel condição, oh! consciencia negra como a morte, oh! minha
alma, não tens perdão, e quanto mais te esforçares por obtel-o, mais
aggravas a tua situação. Anjos do céu, vinde em meu auxilio, tentae um
esforço supremo. Dobrae-vos, joelhos rebeldes. E tu, meu coração, que as
tuas fibras de aço voltem ao estado primitivo das do recem-nascido.
Ainda me resta esta ultima esperança. (Retira-se a um lado da scena,
ajoelha e ora.)
Entra HAMLET
HAMLET (vendo o rei)
A occasião é propicia, está orando. Coragem, Hamlet. Sim, mas
salvar-se-ía a sua alma, e não é essa a minha vingança desejada.
Reflictâmos; um scelerado assassina meu pae, e eu, seu filho unico, abro
as portas do céu a esse infame! Seria uma recompensa e não um castigo.
Assassinou meu pae, entregue ás preoccupações da carne, quando seus
peccados mais vivazes estavam, como as flores na primavera; e quem sabe,
a não ser o céu, que contas daria ao Creador? as penas eternas, de
certo, não o pouparam. Seria uma vingança immolar este scelerado, quando
a sua alma deve estar pura, quando está preparado para a sua ultima
viagem? Não! Entra na tua bainha, minha espada, e espera para ferir,
golpe mais terrivel e justo. Quando estiver ebrio ou adormecido, ou
encolerisado, ou immerso nos prazeres de um leito incestuoso, ou
absorvido pelo jogo, ou blasphemando, ou praticando algum acto contrario
á salvação da sua alma, então fere, que as penas do inferno serão poucas
para um tal crime. (Olhando para o rei.) Prolonga ainda os teus dias
enfermos: adiar não é desistir. (Sáe.)
O REI
Sobem as minhas palavras, o pensamento não, e as palavras sem o
pensamento não chegam ao céu. (Sáe.)
SCENA IV
Um quarto no castello
Entram a RAINHA e POLONIO
POLONIO
O sr. Hamlet não tarda. Reprehenda-o asperamente; diga-lhe que os seus
atrevimentos excedem os limites da paciencia, e que vossa magestade já
teve que se interpor entre elle e a colera do rei. Nada mais digo,
senhora, peço só que falle com firmeza.
A RAINHA
Fallar-lhe-hei com firmeza, esteja descansado. Afaste-se, ouço os seus
passos. (Polonio esconde-se.)
Entra HAMLET
HAMLET
Que me quer, minha mãe?
A RAINHA
Hamlet, offendeste gravemente teu pae.
HAMLET
Minha mãe offendeu gravemente meu pae!
A RAINHA
Como insensato fallas.
HAMLET
A rainha falla como culpada!
A RAINHA
Que queres tu dizer, Hamlet?
HAMLET
O que é, senhora?
A RAINHA
Esqueces quem eu sou?
HAMLET
Pela cruz do Redemptor, que não. Rainha é, foi esposa do irmão de seu
marido, e prouvera a Deus que não o fosse, mas é minha mãe!
A RAINHA
Mandar-te-hei alguem que melhor do que eu te saiba fallar.
HAMLET
Vamos, sente-se, minha mãe. Não se moverá, não saírá d'aqui emquanto eu
não tiver posto diante dos seus olhos um espelho em que possa ver até ás
profundidades da sua alma.
A RAINHA
Que pretendes de mim? queres tu porventura assassinar-me? Acudam á
rainha, acudam!
POLONIO (por detrás do reposteiro)
O que é! olá, soccorro!
HAMLET (desembainhando a espada)
Que é isso? Um rato? (Dando-lhe uma estocada.) Aposto um ducado em como
o matei!
POLONIO (atrás do reposteiro)
Mataram-me, eu morro. (Cáe para fóra do reposteiro e morre.)
A RAINHA
Que fizeste, infeliz?
HAMLET
Ignoro-o; seria o rei? (Levanta o reposteiro e puxa pelo cadaver de
Polonio.)
A RAINHA
Que acto de crueldade e de sangue!
HAMLET
De sangue; quasi tão reprehensivel, minha mãe, como assassinar um rei e
desposar o irmão!
A RAINHA
Assassinar um rei?
HAMLET
Sim, um rei, foi o que eu disse. (A Polonio.) Quanto a ti, pobre diabo,
louco, temerario e indiscreto, as nossas contas estão ajustadas,
aprendeste á tua custa o perigo que corre quem se intromette nos
negocios dos outros. (Á rainha.) Cesse de estorcer-se. Silencio,
sente-se, quero torturar o seu coração, e fal-o-hei, se ainda possue
alguma sensibilidade, e o habito do crime não a bronzeou a ponto de ser
insensivel a toda a especie de emoção.
A RAINHA
Que fiz eu, Hamlet, para que me falles n'esse tom ameaçador?
HAMLET
Uma acção que mancha o rubor e a graça do pudor; que transforma a
virtude em hypocrisia; que arranca á fronte innocente do amor a sua
corôa de rosas, e a substitue por uma chaga asquerosa; que torna os
juramentos do hymeneu tão falsos como os do jogador! Oh! uma acção que
rouba ao corpo dos contratos a santidade, que é a sua alma, e faz da
religião uma rapsodia de palavras. Indigna-se o céu, contrista-se o
globo solido e compacto, lê-se-lhe nas faces a consternação como se
fosse o ultimo dia do mundo.
A RAINHA
Qual é pois a acção que denunciam este ameaçador preludio e esta
expressão fulminante?
HAMLET (mostrando dois retratos em pé que ornam as paredes)
Veja bem esses dois retratos, são as imagens de dois irmãos. Veja que
graça impressa n'estas feições: o cabello annellado de Apollo; a fronte
do proprio Jupiter; o olhar de Marte, onde se lê a commando e a ameaça;
o porte de Mercurio, o mensageiro celeste, quando apenas pousa o alado
pé sobre o cimo das nuvens; uma tão feliz reunião das fórmas perfeitas,
que cada um dos deuses parecia ter contribuido com o seu quinhão, como
se quizessem mostrar ao mundo o modelo do verdadeiro homem! Esse era o
seu primeiro esposo. Volva agora os olhares para este lado. Eis o que é
o seu segundo esposo! que, similhante á espiga mangrada, pelo seu
contacto causa a morte a sua irmã a espiga sã. E saberá ver? Como pôde
então abandonar as ferteis e salubres collinas, para se immergir n'este
immundo paul!! Se ainda tem olhos, senhora, não póde imputar ao amor o
seu comportamento; na sua idade já se acalmou a effervescencia do
sangue, e a paixão obedece á rasão. E qual seria a creatura racional,
que ousasse trocar o seu primeiro marido por este segundo? É sem duvida
dotada de sensibilidade, aliás não seria um ser animado; mas na senhora
estão paralysados todos os sentimentos, porque não ha demencia que não
deixe ao que verga sob o seu peso uma porção bastante de discernimento,
para saber escolher entre objectos tão dissimilhantes. Que demonio a
perturbou a ponto de lhe vendar os olhos? A vista sem o tacto, o tacto
sem o auxilio da vista, o ouvido sem o uso das mãos e dos olhos, o
olfato só por si, uma porção mesmo alterada de um verdadeiro sentido,
não podiam ter-se enganado tão estultamente. Oh! vergonha! onde está o
teu rubor? Inferno rebelde, que assim pódes atear a revolta nos sentidos
de uma mulher, ha muito esposa e mãe. Que admira que, para a ardente
juventude, a virtude seja como a cera, que se derrete á chamma que
alimenta; que não seja vergonha ceder quando nos arrasta a paixão,
poisque o proprio crystal se funde e a rasão prostitue aos desejos os
seus vergonhosos serviços.
A RAINHA
Oh! Hamlet, cessa por piedade, obrigas o meu olhar a volver-se todo para
a minha alma, e n'ella descubro máculas tão negras e tão profundamente
impressas, que nada já as póde lavar.
HAMLET
Viver no suor impuro de um leito infecto, sobre o esterco da corrupção,
revolver-se no lodaçal de um asqueroso amor.
A RAINHA
Cala-te, Hamlet, as tuas palavras são outras tantas punhaladas. Piedade!
querido filho!
HAMLET
Um assassino, um scelerado, um miseravel, que não vale a centesima parte
do seu primeiro marido, um rei de comedia, um ladrão, que empalmou o
poder, e que achando a corôa debaixo de mão, a roubou e a metteu no
bolso!
A RAINHA
Hamlet!
HAMLET
Um palhaço!
Entra a SOMBRA
HAMLET
Protegei-me e abrigae-me sob vossas azas, anjos do céu. (Á sombra) Que
pretendes de mim, sombra querida?
A RAINHA
Infeliz! enlouqueceu.
HAMLET (á sombra)
Vens tu reprehender a tibieza de teu filho, que, deixando passar o
tempo, arrefecer a sua indignação, não se apressou em cumprir os teus
terriveis preceitos? Falla!
A SOMBRA
Recorda-te que o unico fim d'esta minha apparição é atear em ti o fogo
da resolução. Mas vê, tua mãe está succumbida, interpõe-te entre ella e
os seus remorsos; é nas mais debeis organisações que mais estragos causa
a imaginação. Falla-lhe tu, Hamlet.
HAMLET
Como se sente, minha mãe?
A RAINHA
Eu é que te devia fazer essa pergunta! Por que está teu olhar fito no
espaço? por que conversas com seres immateriaes? Teu olhar indefinido
revela a lucta da tua alma; como um soldado acordado em sobresalto; teus
cabellos, como se a vida os animasse, levantam-se e ouriçam-se sobre a
tua fronte. Oh! meu querido filho, apaga a chamma da tua colera, com as
tranquillas e limpidas aguas da paciencia! Mas para onde olhas tu?
HAMLET
É elle! Elle! Como está pallido! O seu aspecto, e o motivo que aqui o
traz, commoveriam as proprias pedras. (Á sombra) Descrava de mim os teus
olhos, receio que me feneça a resolução, vendo teu triste e commovente
olhar; que se transforme o caracter dos meus actos talvez em lagrimas em
vez de sangue.
A RAINHA
Mas, filho, a quem fallas assim?
HAMLET
Não vê nada, minha mãe?
A RAINHA
Nada, senão tudo quanto existe n'esta camara.
HAMLET
E nada ouviu?
A RAINHA
Cousa alguma, a não ser as tuas palavras.
HAMLET
Mas olhe, minha mãe, não vê como elle se afasta, triste e pensativo? É
meu pae, vestido como trajava em sua vida. Eil-o, transpõe agora mesmo a
porta. Saíu. (A sombra sáe.)
A RAINHA
É á exaltação da tua imaginação e ao delirio que de ti se apoderou, que
são devidas estas creações phantasticas.
HAMLET
O delirio! Senhora, apalpe o meu pulso, e conhecerá que não está menos
tranquillo que o seu. Não fallei influenciado pelo delirio.
Interrogue-me; em vez de divagar, repetir-lhe-hei textualmente as minhas
palavras; não estou louco; engana-se, minha mãe. Por Deus, não se
embale, no pensamento falso, que é o meu delirio e não a sua culpa que
me faz fallar! Seria cicatrizar exteriormente a chaga, que a consciencia
nunca deixaria de augmentar interiormente. Confesse-se ao céu,
arrependa-se do passado, premuna-se para o futuro, e não dê pasto ao
verme do remorso, que acabará por totalmente corroer o seu coração e
obliterar a sua consciencia. Perdoe á minha virtude, porque n'este mundo
sordido e venal a virtude deve implorar o perdão do vicio e pedir o
favor de poder fazer o bem.
A RAINHA
Oh! Hamlet! Dilaceras-me o coração.
HAMLET
Expulse a parte corrompida, e com a outra metade viva tranquilla e pura.
Boa noite; evite meu tio, e se não podér ser virtuosa, ao menos
pareça-o. O habito, esse monstro, que destroe e neutralisa em nós toda a
sensibilidade, esse demonio do habito, é anjo n'isto, porque consente á
virtude e ás boas acções as suas vestes proprias. Não veja hoje o seu
esposo, tornar-lhe-ha mais facil a abstenção futura; o habito tudo póde,
muda a natureza individual, doma o demonio, e expulsa-o com o seu
maravilhoso poder. Boas noites mais uma vez! e quando sentir a
necessidade da benção divina, então pedir-lhe-hei a sua. (Mostrando
Polonio.) Quanto a este homem, arrependo-me do que fiz; mas obedeci ao
céu; assim o quiz tornando-me instrumento das suas vinganças, punindo-o
por mim, a mim por elle. Sepultem-no, eu responderei pela morte que lhe
dei! Adeus, pois. Cumpre-me ser cruel por humanidade; o primeiro mal
está feito, o maior ainda ha de vir. Uma palavra ainda.
A RAINHA
Que devo fazer?
HAMLET
Nada do que eu lhe disse! Receba as caricias do avinhado monarcha,
preste as suas faces aos seus osculos, ouça-lhes as palavras de amor;
então n'um diluvio de ardentes osculos, entre as mais lubricas caricias,
confesse-lhe, revele-lhe tudo, diga-lhe que nunca estive louco, que o
fingi, faça-lhe essa confidencia. Qual seria a rainha, bella, sensata e
honesta, que hesitasse em confiar áquelle animal immundo e repellente,
asqueroso reptil, tão importantes segredos? Quem guardaria silencio?
Ninguem. Depois, olvidando o bom senso e a discrição, abra a gaiola e
deixe voar as avesinhas, e seguindo o exemplo do bugio da legenda, por
simples experiencia, introduza-se na gaiola e rompa o pescoço caíndo!
A RAINHA
Acredita, Hamlet, que se as palavras se compozessem de fôlgo e o fôlgo
de vida, eu não teria vida para articular as que tu me disseste.
HAMLET
Devo partir para Inglaterra; sabe-o sem duvida, minha mãe?
A RAINHA
Infeliz! Tinha-me esquecido; pois isso está definitivamente determinado?
HAMLET
Ha cartas selladas, e os meus dois companheiros de estudos, nos quaes me
fio tanto como na innocencia dos envenenados dardos das viboras, são os
portadores da ordem! São elles que me hão de aplanar o caminho, e se
encarregarão de me conduzir ao laço armado pela mais negra traição.
Deixemos caminhar os acontecimentos. Causa devéras prazer ver rebentar
nas mãos do proprio artifice a bomba que para outrem preparava. Nada ha,
senhora, que nos dê mais gosto do que combater a traição,
contraminando-a pela sagacidade. A morte de Polonio apressará a minha
partida. Levemos o seu cadaver para a camara vizinha. Boas noites, minha
mãe. Este conselheiro está agora verdadeiramente a sangue frio, discreto
e grave; em vida era dotado de estupida garrulice. Agora basta, acabemos
por uma vez. Boas noites. Adeus, minha mãe. (A rainha sáe por um lado,
Hamlet pelo outro, arrastando o cadaver de Polonio.)
Fim do acto terceiro
ACTO QUARTO
SCENA I
Um quarto no castello de Elsenor
Entram o REI, a RAINHA, ROSENCRANTZ e GUILDENSTERN
O REI
Esses suspiros, esse difficil arfar do peito, tudo deve ter uma causa.
Queremos conhecel-a e pelos senhores. Onde está nosso filho?
A RAINHA (a Rosencrantz e Guildenstern)
Deixem-nos sós um momento. (Os dois sáem.) (Ao rei) Ah! senhor, que
noite esta!
O REI
Que ha de novo, Gertrudes; em que estado achaste Hamlet?
A RAINHA
Tão revolta está a sua rasão, como o mar e o vento, quando entre si
luctam, disputando a sua força. N'um dos seus arrebatamentos do delirio,
ouvindo mexer atrás de uma cortina, exclamou: _Um rato, um rato_, e
desembainhando a espada, cravou-a no peito d'aquelle excellente ancião.
O REI
Oh! triste acontecimento! Igual sorte teria tido se ali me achasse;
livre, corremos o maior risco, mesmo tu; todos, emfim. Que rasões
daremos para explicar este acto sanguinario? Taxar-nos-hão de
imprevidentes, a responsabilidade toda caírá sobre nós; dirão que
deviamos ter isolado esse insensato, mas era tão grande a nossa
affeição, que não comprehendemos o que a prudencia nos aconselhava.
Obrámos como um homem atacado de um mal vergonhoso, que para guardar
segredo deixa enraizar-se esse mal e destruir toda a seiva vital. Onde
está Hamlet?
A RAINHA
Pondo em logar seguro o cadaver d'aquelle a quem deu a morte. No meio
mesmo da sua demencia, conserva-se pura e intacta a sua intelligencia,
como um metal precioso encravado em rocha bruta. Rebenta-lhe o pranto ao
lembrar-se da acção que commetteu.
O REI
Saiâmos, Gertrudes. Quando o sol tocar o cume das montanhas, já Hamlet
deverá ter embarcado; logo em seguida partirá para Inglaterra. Quanto a
esta odiosa acção precisâmos achar na nossa auctoridade e no nosso
engenho alguma desculpa que a releve aos olhos do mundo. Olá,
Guildenstern? (Entram outra vez Guildenstern e Rosencrantz.)
O REI (continuando)
Meus amigos, procurem pessoas que os ajudem e auxiliem. Hamlet, na sua
demencia, matou Polonio, cujo cadaver levou para fóra da camara de sua
mãe. Tratem de descobrir onde o occultou, encarrego-os d'esta missão.
Nada digam que possa irritar Hamlet, e levem o corpo do infeliz Polonio
para a capella; peço-lhes só que se aviem. (Sáem Rosencrantz e
Guildenstern.)
O REI (continuando)
Vamos, Gertrudes, convoquemos os nossos mais doutos amigos, demos-lhe a
conhecer o nosso designio e a desgraça acontecida. Precavendo-nos d'este
modo, talvez a calumnia, que arremessa o seu dardo envenenado de uma
extremidade do mundo á outra, e cujos tiros são tão certeiros, como os
do mais perfeito canhão, poupe o nosso nome, perdendo-se na immensidade
do espaço. Saiâmos d'aqui. Na minha alma não sinto senão perturbação e
terror! (Sáem.)
SCENA II
Outro quarto no castello
Entra HAMLET
HAMLET
Duvido que o encontrem.
VOZES DE FÓRA
Hamlet? senhor Hamlet?
HAMLET
De vagar. Que rumor é este? Quem ousa chamar Hamlet? Ah! eil-os que
chegam. (Entram Rosencrantz e Guildenstern.)
ROSENCRANTZ
Senhor? que fez vossa alteza do cadaver?
HAMLET
Entreguei-o ao pó de que saíu.
ROSENCRANTZ
Mas em que logar para o podermos levantar e depositar na capella?
HAMLET
Não pensem em tal.
ROSENCRANTZ
Que devemos, pois, pensar?
HAMLET
Que pouco me importo com a sua cabeça, mas muito com a minha.
Interrogado de mais a mais por uma esponja! Que resposta lhe póde dar o
filho de um rei?
ROSENCRANTZ
É a mim que chama esponja?
HAMLET
A quem havia de ser? sim a ti, que bebes os favores, as recompensas e o
poder real. Mas, no fim de contas, taes officiaes prestam ao monarcha
relevantes serviços, são para elle como o fructo que o bugio conserva na
bôca para depois o engulir; quando necessitar do que tem arrecadado,
espreme-os como uma esponja, e ficarão completamente enxutos.
ROSENCRANTZ
Não comprehendo, senhor!
HAMLET
Estimo muito. As palavras do traficante só tem por domicilio os ouvidos
do tonto.
ROSENCRANTZ
Diga-nos onde está o cadaver, e siga-nos á presença do rei.
HAMLET
Onde está o rei existe um corpo, mas o rei não está n'esse corpo. O rei
é uma creatura.
ROSENCRANTZ
Uma creatura, senhor?
HAMLET
Uma creatura que nada vale! Conduzam-me á sua presença. Vamos jogar as
escondidas. (Sáem todos.)
SCENA III
Uma sala no castello
Entra o REI com a sua comitiva
O REI
Mandei chamar Hamlet e procurar o cadaver. Que perigo deixar livre um
tal homem; mas não podemos fazer pesar sobre elle todo o rigor das leis.
A multidão insensata estima-o, decidindo-se mais pela vista do que pela
rasão; n'estas circumstancias o que devemos pensar é o castigo dos
culpados, nunca o crime só por si. Para prevenir qualquer
descontentamento é forçoso que este precipitado exilio pareça
consequencia de madura reflexão. Para males desesperados remedios
energicos, ou nenhuns. (Entra Rosencrantz.) Então que aconteceu?
ROSENCRANTZ
Nada podemos saber da sua bôca relativamente ao cadaver.
O REI
Onde está Hamlet?
ROSENCRANTZ
No quarto vizinho, esperando debaixo de segura guarda as ordens de vossa
magestade.
O REI
Que venha á nossa presença.
ROSENCRANTZ
Olá, Guildenstern. Conduze Hamlet a este aposento. (Entram Hamlet e
Guildenstern.)
O REI
Hamlet, onde está Polonio?
HAMLET
N'um banquete.
O REI
N'um banquete?! onde?
HAMLET
Onde não come, mas é devorado. Uma multidão de vermes politicos disputa
o seu cadaver. O verme é o monarcha dos comedores. Engordâmos todas as
creaturas para nos engordarmos, e engordâmo-nos para pasto dos vermes.
Um rei gordo e um mendigo magro são duas iguarias differentes, comtudo
hão de ser servidas á mesma mesa. Esta é a verdade.
O REI
Infelizmente assim é!
HAMLET
É possivel que se pesque, com um verme creado em cadaver real, um peixe,
e que se coma depois o peixe que enguliu o verme.
O REI
Que significam as tuas palavras?
HAMLET
Nada; apenas as transformações pelas quaes póde passar um rei para
penetrar nos intestinos do pobre.
O REI
Onde está Polonio?
HAMLET
No céu. Mande ali o seu mensageiro procural-o, e se não o achar,
procure-o então o rei no sitio opposto. Em todo o caso se não o acharem
até d'aqui a um mez, o olfato o denunciará junto á escada da galeria.
O REI (á sua comitiva)
Procurem-o já.
HAMLET
Esperal-os-ha com certeza. (Sáe a comitiva do rei.)
O REI
Hamlet, no interesse da tua saude, que nos é tão cara, quanto dolorosa a
acção que commetteste, é forçoso que partas com a maior brevidade; vae,
pois, preparar-te. O navio está prompto e o vento sopra propicio; os
teus companheiros esperam-te, e tudo está disposto para a tua viagem a
Inglaterra.
HAMLET
A Inglaterra?
O REI
Sim, Hamlet.
HAMLET
Está bem.
O REI
O mesmo dirias conhecendo todos os meus projectos.
HAMLET
Descubro um anjo que os vê. Mas partâmos para Inglaterra. Adeus, minha
querida mãe.
A RAINHA
E teu pae que te estremece?
HAMLET
Não, minha mãe; pae e mãe são marido e mulher, marido e mulher são uma e
mesma carne. Assim, pois, adeus, minha mãe. Vamos para Inglaterra.
(Sáe.)
O REI (a Rosencrantz e Guildenstern)
Sigam-o passo a passo, façam-o embarcar promptamente, não ha tempo que
perder. Quero que já esta tarde esteja afastado d'estes sitios. Vão!
Tudo quanto respeita a este negocio foi já expedido e sellado com as
nossas armas. Aviem-se, peço-lh'o. (Sáem.) (Continuando) Rei de
Inglaterra, sabes até onde chega o meu poder; as feridas infligidas pelo
ferro dinamarquez ainda sangram, e teu respeito nos presta livre
homenagem. Se, pois, prezas a minha benevolencia, não receberás
friamente as ordens soberanas contidas nas minhas cartas e que exigem a
morte de Hamlet. Obedece-me, rei de Inglaterra, porque Hamlet é febre
que requeima o meu sangue, e tu é que me deves curar d'ella. Não terei
um dia de prazer e descanso emquanto não souber a completa execução das
minhas ordens, aconteça o que acontecer. (Sáe.)
SCENA IV
Uma planicie na Dinamarca
Chega FORTIMBRAZ á frente das suas tropas
FORTIMBRAZ (a um dos seus officiaes)
Capitão, saúde da minha parte o rei de Dinamarca e diga-lhe, que, em
conformidade com a sua promessa, Fortimbraz lhe pede livre passagem pelo
seu territorio; sabe o ponto em que nos devemos encontrar. Se sua
magestade desejar fallar-me, irei prestar-lhe as minhas homenagens.
Diga-lh'o da minha parte.
O OFFICIAL
As suas ordens serão cumpridas, meu senhor!
FORTIMBRAZ (ás suas tropas)
Avancemos em attitude pacifica. (Fortimbraz e as suas tropas afastam-se.
O official fica.)
Chegam HAMLET, ROSENCRANTZ, GUILDENSTERN e mais pessoas
HAMLET (ao official)
Que tropas são essas, meu amigo?
O OFFICIAL
É o exercito norueguez, senhor!
HAMLET
Qual é o seu destino?
O OFFICIAL
Um ponto do território da Polonia.
HAMLET
Quem o commanda?
O OFFICIAL
Fortimbraz, sobrinho do rei de Noruega.
HAMLET
É contra a Polonia toda, ou só contra um ponto determinado da fronteira
que marcham?
O OFFICIAL
Se quer que lhe diga a verdade, marchâmos contra uma parte da Polonia,
cuja conquista será para nós gloria, sem proveito algum. Estou certo que
a sua renda não vale cinco ducados, e se se vendesse ninguem daria mais.
HAMLET
Se assim é, os polacos não devem offerecer resistencia?
O OFFICIAL
Pelo contrario, até já o guarneceram.
HAMLET
Duas mil almas e vinte mil ducados chegarão apenas para tão futil
empreza; é um d'estes abcessos que resultam de uma demasiada e
prolongada prosperidade que rebenta internamente, sem que nada indique
exteriormente a sua acção mortal. Obrigado, amigo.
O OFFICIAL
Deus seja comvosco, senhor. (Afasta-se.)
ROSENCRANTZ
O principe quer que continuemos o nosso caminho?
HAMLET
Póde ir indo, em breve o alcançarei. (Sáem Rosencrantz e Guildenstern.)
(Continuando.) Como sempre tudo me accusa e me excita á tardia vingança.
O que é o homem, se o seu primeiro bem, o maior negocio da sua vida,
consiste em comer e dormir! É um animo brutal, nada mais. Seguramente,
que aquelle que nos dotou com essa vasta comprehensão, capaz de abraçar
o passado e o futuro, não nos deu essa intelligencia, esse admiravel
raciocinio, para que ficassemos ociosos e sem emprego. Quer seja estulto
esquecimento, quer cobarde escrupulo, medito demasiado na acção que
tenho que commetter, pensamento composto de uma quarta parte de siso e
tres quartas partes de cobardia. Como me espanto a mim mesmo quando
repito: _Eis o que devo fazer_, já que me sobram os motivos, tenha eu ao
menos vontade, força e energia para o executar. Incitam-me os mais
irrecusaveis exemplos; testemunho este numeroso exercito, capitaneado
pelo seu joven principe, cujo genio intrepido, soprado por uma ambição
divina, affronta, rindo, as eventualidades de um porvir invisivel,
expondo uma vida mortal e incerta, a tudo quanto podem ousar a fortuna,
a morte e os perigos, e tudo por nada, por uma bagatella. A verdadeira
grandeza consiste, não só em commover-se com grandes e poderosas rasões,
mas tambem em achar n'uma bagatella rasões de conflicto, cuja verdadeira
causa é o pundonor. Que posição pois a minha, eu que tenho um pae
assassinado, uma mãe deshonrada; eu que tenho tantos motivos de colera e
que tudo deixo adormecer, emquanto que para minha vergonha vejo vinte
mil homens, por uma louca esperança de gloria exporem-se á morte,
caminharem para o tumulo, como caminhariam para o leito; irem combater
para conquistar um quinhão de terra insufficiente para caberem n'elle, e
cujo terreno seria uma sepultura acanhada para os mortos. Ah! quanto se
revelam sanguinarios os meus pensamentos, ou então nada. (Afasta-se.)
SCENA V
Uma sala no castello de Elsenor
Entram HORACIO e a RAINHA
A RAINHA
Não lhe quero fallar.
HORACIO
Pede-o encarecidamente. Verdade é que ella perdeu a rasão; o seu estado
é digno de compaixão.
A RAINHA
O que pretende ella?
HORACIO
Falla sempre no pae, pretende terem-lhe dito que n'este mundo se
commettem bem más acções, suspira, bate no peito, exaspera-se sem
motivo. Profere palavras equivocas e sem sentido. Nada diz, comtudo quem
ao ouvil-a não teria vontade de a comprehender. Aquelles que a ouvem
procuram adivinhar o sentido, e preenchendo as lacunas, tentam completar
o sentido das suas fallas. Vendo os movimentos que faz, acompanhando as
palavras, todos lhe suppõem um pensamento, um sentido, e provavelmente
tem-no, mas de certo bem sinistro.
A RAINHA
É conveniente fallar-lhe, porque poderia impressionar malevola e
perigosamente os espiritos. Que venha. (Horacio sáe.) (Continuando) Ah!
minha alma enferma! Será uma condição do crime, que a menor bagatella
pareça sempre a precursora de alguma grande calamidade? Tal é a
desconfiança em uma consciencia culpada, que se trahe a si mesma com o
receio de se trahir.
HORACIO entra com OPHELIA
OPHELIA
Onde está a bella rainha de Dinamarca?
A RAINHA
Ophelia?
OPHELIA
Como hei de eu conhecer o bem amado
Por entre a multidão?
Pelo chapéu de conchas enfeitado
E pelo seu bordão.
A RAINHA
Infeliz Ophelia! Que significam esses versos?
OPHELIA
Pergunta-mo? Escute então...
Levaram-no bem morto ao cemiterio!
O que tu foste e és!...
Sob a fronte senil myrto funereo,
E fria pedra aos pés!
Ai de mim! (Chora.)
A RAINHA
Ophelia, querida Ophelia?
OPHELIA
Ouça mais, peço-lh'o...
Branca de neve a frigida mortalha...
Entra o REI
A RAINHA
Veja, senhor!
OPHELIA
É como um prado em flor
Baixou á campa a fronte e não a orvalha
Com lagrimas o amor!!
O REI
Como está bella, Ophelia?
OPHELIA
Bem, louvado Deus, dizem que a coruja fôra outr'ora filha de um padeiro.
Meu Deus, nós sabemos o que somos, mas nunca o que poderemos vir a ser.
Que Deus abençôe a sua mesa.
O REI
Recorda-se do pae?
OPHELIA
Não fallemos mais n'isso, mas se me perguntam o que significa,
dir-lhes-hei o que é. Respondam.
São Valentim! dizes-me a minha sina?
A pé já todos são.
Queres que eu seja a tua Valentina?
Sou virgem, sim ou não?
Ergueu-se elle e vestiu-se; mansamente
Do quarto a porta abriu;
E virgem ella entrou... mas tão sómente
Mulher quando saíu.
O REI
Encantadora Ophelia!
OPHELIA
Em verdade vou terminar sem juramento.
Por Jesus! pela santa caridade!
Quem vale á infeliz?!
Ai! são todos assim na mocidade,
A sorte é quem n'o quiz!
Antes da minha quéda prometteste
Conduzir-me ao altar:
Por Deus o houvera feito... não quizeste.
Quem te mandou entrar?
O REI
Ha quanto tempo é que este infeliz estado se apoderou d'ella?
OPHELIA
Tudo vae bem! É preciso ter paciencia; não posso reter o pranto,
pensando que está debaixo da terra fria e humida. Meu irmão ha de
sabel-o, obrigada pelo conselho. Chegue a minha carruagem. Boa noite,
minhas senhoras, boa noite, bellas senhoras, Adeus, boas noites! (Sáe
correndo.)
O REI (a Horacio)
Siga-a, não a perca de vista, vigie-a cautelosamente, peço-lh'o eu!
(Horacio sáe.) (Continuando) Oh! é aquelle o veneno de uma dor profunda,
causada pela morte do pae. Ah! Gertrudes, Gertrudes, quando as dores nos
assaltam, nunca é isoladamente, é como se viessem em tropel. Primeiro a
morte do pae, depois a partida de Hamlet, que tão violentamente decretou
o proprio exilio; o povo alvoroçado e descontente, commenta malevola e
insidiosamente a morte de Polonio, e nós obrámos pouco assisadamente
ordenando o prompto enterro; a infeliz Ophelia, inconsciente do seu
estado, está privada da rasão, sem a qual somos simples estatuas,
creaturas brutas. Para cumulo de desgraça esta vale todas as outras, seu
irmão voltou secretamente de França, embrenha-se no labyrintho de
noticias, e mantem-se occulto. Não deixará por certo de haver bôcas
malevolas, que por occasião da morte de seu pae, envenenem seus ouvidos
com insinuações perfidas, e a calumnia, na carencia de outro assumpto,
não nos poupará com os seus dardos envenenados e mortiferos. Ah! querida
Gertrudes; tudo isto, similhante a um instrumento de morte, vibra-me
mais golpes que os necessarios para pôr termo á minha vida. (Ouve-se um
grande rumor fóra da sala.)
A RAINHA
Que rumor é esse?
O REI
Olá, venha alguem. (Entra um official do palacio.)
O REI (continuando)
Onde estão os meus suissos? Que defendam as portas. Dize-me já o que ha.
O OFFICIAL
Fuja, senhor; o oceano, rompendo os diques, não invade com mais
violencia a campina, do que o joven Laerte, á frente da rebellião,
derruba a resistencia dos vossos officiaes. O povo chama-lhe soberano, e
como se fosse no começo do mundo, sem tradições, nem passado, nem usos,
sobre que tudo se firma, ou as tivesse esquecido, exclama: Elejâmos um
rei! Laerte será o nosso rei? Todos se descobrem e agitam os gorros,
todas as mãos applaudem, todas as vozes repetem: Laerte será rei. Viva o
rei Laerte!
A RAINHA
Com que prazer esta matilha segue uma pista falsa! Enganam-se!
Dinamarquezes ingratos!
O REI
Entraram á força. (Redobra o rumor. Entra Laerte seguido por muito povo
dinamarquez.)
LAERTE
Onde está esse rei? Senhores, retirem-se para fóra.
O POVO
Nada! Queremos todos entrar.
LAERTE
Façam o que lhes peço.
O POVO
É justo! é justo! (Sáem.)
LAERTE
Obrigado, senhores; guardem as portas. (Ao rei.) Infame! entrega-me meu
pae.
O REI
Socegue, meu caro Laerte.
LAERTE
Se uma só gota do meu sangue não fervesse, essa gota proclamar-me-ía
bastardo, attestaria a deshonra de meu pae, e imprimiria na casta fronte
de minha adorada mãe um estigma indelevel de infamia.
O REI
O que deu azo, Laerte, a uma rebellião, que assumiu proporções tão
colossaes? Está tranquilla, Gertrudes, por nós nada receies; graças ao
caracter sagrado que protege os reis, a traição não lança senão um olhar
timido e incerto para o resultado que anhelam os seus desejos, e os
effeitos estão longe de corresponder á sua esperança. Dize-me, Laerte, o
motivo d'esta irritação violenta. Nada receies, Gertrudes. Falla,
Laerte.
LAERTE
Onde está meu pae?
O REI
Morreu.
A RAINHA
Mas o rei está innocente.
O REI
Deixa-me interrogal-o á minha vontade.
LAERTE
Como morreu elle? Não admitto duvidas, dispenso juramentos; leve o
demonio a fé jurada, sepultem-se no abysmo a consciencia e a fidelidade.
Affrontarei a condemnação, declaro-o formalmente; renuncio a tudo n'este
e no outro mundo, aconteça o que acontecer, comtanto que vingue de um
modo bem patente a morte de meu pae.
O REI
E quem t'o impede?
LAERTE
A minha vontade só e não a do universo inteiro; quanto aos meios de que
disponho, empregal-os-hei de modo que com recursos limitados tire
d'elles o maior proveito.
O REI
Comprehendo, querido Laerte, que queiras saber a verdade toda a respeito
da morte de teu estremecido pae. Mas estás tu resolvido a confundir
amigos e inimigos, aquelles que perderam e aquelles que ganharam com a
sua morte?
LAERTE
Unicamente os inimigos quero punir.
O REI
E queres conhecel-os?
LAERTE
Quanto aos seus amigos, abro-lhes os braços com alvoroço; e similhante
ao pelicano que rasga o seio, para com o sangue alimentar os filhos,
estou prompto a por elles dar o meu sangue todo.
O REI
Ainda bem; fallas agora como bom filho e homem honrado. Sou innocente na
morte de teu pae, e deploro-a amargamente; demonstral-o-hei á tua rasão
com provas tão claras como a luz do dia.
O POVO (de fóra)
Deixem-a entrar.
LAERTE
O que é? Que rumor é esse? (Entra Ophelia estranhamente enfeitada com
flores na cabeça e palhas entrançadas nos cabellos.) (Continuando.) Meu
pobre cerebro! Sequem-se as minhas lagrimas, que, sete vezes corrosivas,
queimam meus olhos e afastam d'elles o sentido da vista! Por Deus! A tua
demencia será paga com usura, até que o nosso peso faça baixar uma das
conchas da balança. Rosa de primavera, filha querida, carinhosa irmã,
boa Ophelia! Oh! ceus! pois será possivel que a rasão de uma jovem
mulher seja tão fragil como a vida do ancião! A natureza tem no seu amor
um perfume subtil e raro, cujas emanações se infiltram no objecto amado.
OPHELIA
Levaram-no em mesquinha padiola
E foram-no enterrar!
Mas chove-lhe na tumba, ai! grata esmola
De lagrimas um mar.
LAERTE
Possuisses tu toda a tua rasão, animasses-me tu á vingança, não
conseguias crear em mim uma emoção.
OPHELIA
Forçoso é que eu cante e tu tambem:
Abaixo! Abaixo!
Lançae-o abaixo!
Devias ouvir cantar ás fiadeiras; é a canção do intendente desleal, que
raptou a filha de seu amo.
LAERTE
Estes nadas tudo me dizem.
OPHELIA (a Laerte, dando-lhe uma flor)
Toma, é rosmaninho a flor da lembrança. Lembra-te de mim, peço-t'o, meu
querido; estes são amores perfeitos, é para que sempre viva no teu
coração de irmão.
LAERTE
Ha sentido no seu delirio. Acaba de distinguir acertadamente a lembrança
e o pensamento.
OPHELIA (ao rei)
Aqui tendes, senhor, estas symbolicas flores. (Á rainha) Para vós,
senhora, é arruda e tambem para mim; para vós será a herva da ventura,
para mim a da dor. Eis um malmequer. Queria dar-vos violetas, mas
feneceram todas quando meu pae morreu; dizem que teve o fim do justo.
Porque era o bom Robim minha alegria
LAERTE
A melancolia, a afflicção, a colera, o proprio inferno, tudo é divino
proferido por ella.
OPHELIA
E nunca mais virá?!
Morreu! morreu! morreu! ai! que agonia!
Não mais! não voltará!
Era a barba tão branca como a neve:
Partiu! foi para os céus.
Perdida, inutil dor! Breve, até breve,
Tem dó d'elle, meu Deus!...
Assim como de todas as almas christãs, assim o peço a Deus, e elle seja
comvosco. (Sáe.)
LAERTE
Vêem? Meu Deus!...
O REI
Deixa-me, Laerte, fallar-te no teu infortunio; é um direito que me
pertence e que me não pódes negar sem injustiça. Reune em particular os
teus amigos mais assisados; elles nos ouçam, e depois julguem entre nós
dois. Se culpado me acharem, directa ou indirectamente, entrego-te, em
expiação da minha culpa, reino, corôa e vida, e tudo quanto possa dizer
meu; no caso contrario, peço-te só paciencia, e de accordo obraremos
para te alcançar uma completa satisfação.
LAERTE
Consinto. As circumstancias da sua morte, o seu funeral obscuro, em que
nem trophéus, nem espada, nem brazão figuraram, a ausencia de toda a
ceremonia funebre no saímento do seu corpo, são como um aviso do céu,
que me clama pela voz celeste: Indaga como foi.
O REI
Faça-se pois um inquerito, e o cutelo do algoz puna o culpado. Agora
peço-te, Laerte, que me sigas. (Sáem ambos.)
SCENA VI
Um quarto no castello de Elsenor
Entram HORACIO e um CREADO
HORACIO
Quem é que me pretende fallar?
O CREADO
Marinheiros... e dizem que têem cartas que lhe são dirigidas.
HORACIO
Que entrem pois; (o creado sáe) (só) não percebo de que canto do mundo
se lembraram de me escrever. Só se for Hamlet.
Entram os MARINHEIROS
PRIMEIRO MARINHEIRO
Guarde-o Deus, senhor!
HORACIO
Igualmente a ti!
PRIMEIRO MARINHEIRO
Fal-o-ha, se for da sua vontade. (Entrega uma carta) Aqui tem esta
carta, é do embaixador que foi mandado a Inglaterra; o senhor, segundo
me asseguraram, chama-se Horacio, não é verdade? (Dá-lhe outra carta.)
HORACIO (abrindo a carta, lendo)
«_Horacio, quando receberes esta carta, proporciona a estes homens o
fallarem ao rei; têem cartas para lhe entregar. Mal tinhamos dois dias
de viagem, um corsario armado até aos dentes deu-nos caça; vendo nós que
elle era mais veleiro, fizemos das fraquezas forças, e encetámos
combate. Na abordagem, saltei-lhe na tolda, mas n'aquelle momento
afastaram-se os dois navios, e eu achei-me só e prisioneiro.
Comportaram-se commigo como corsarios humanos, mas sabiam o que faziam,
porque contam pedir avultado resgate. Faze chegar ás mãos do rei a carta
que lhe envio, depois vem ter commigo, com a celeridade que porias em
evitar a morte. Tenho que confiar aos_ _teus ouvidos palavras que te
emudecerão de espanto, e comtudo ainda são fracas para a gravidade do
assumpto que devem exprimir. Estes marinheiros te conduzirão ao sitio
onde me acho. Rosencrantz e Guildenstern navegam para a Inglaterra.
Tenho muito que te contar a esse respeito. Adeus. Aquelle que sabes ser
teu do coração==Hamlet._» Venham, vou facilitar-lhes a entrega das
cartas, depois conduzam-me o mais prompto que podérem junto d'aquelle
que lh'as entregou. (Sáem todos.)
SCENA VII
Outro quarto no castello
Entram o REI e LAERTE
O REI
Devo estar illibado aos teus olhos, e deves ver em mim um amigo sincero,
agora que já deves ter percebido que o assassino de teu pae tambem
queria a minha morte.
LAERTE
Parece-me evidente! Mas diga-me porque, depois de actos tão graves e
criminosos por sua natureza, não perseguiu o auctor, como era obrigado a
fazel-o, por sua dignidade, pela sua salvação, pela sua prudencia, por
tudo emfim?